Cheia de simbolismos e metáforas, aventura inteligente de Tim Burton vai fazer sua mente voar, na Netflix

Cheia de simbolismos e metáforas, aventura inteligente de Tim Burton vai fazer sua mente voar, na Netflix

A assinatura inconfundível de Tim Burton encontra o universo enigmático de Ransom Riggs em “O Lar das Crianças Peculiares”, um conto de fantasia que transcende sua aparência lúdica para explorar questões sociais profundas. A trama aborda com sensibilidade temas como diversidade, intolerância e o valor da singularidade, apresentando uma alegoria poderosa que dialoga com públicos de todas as idades.

A história acompanha Jacob Portman (Asa Butterfield), um adolescente cuja vida é marcada pelo mistério envolvendo a morte de seu avô. Atormentado por visões de criaturas sobrenaturais, Jacob embarca em uma jornada que o leva ao encontro de Miss Peregrine (Eva Green), a enigmática diretora de um lar destinado a jovens com habilidades peculiares. Essas singularidades não são tratadas como superpoderes, mas como partes intrínsecas da identidade de cada criança, transformando o que poderia ser marginalizado em uma celebração de suas individualidades.

No início, Jacob se percebe como alguém comum, incapaz de encontrar uma peculiaridade em si. Contudo, ao descobrir que Miss Peregrine é uma ymbryne — um ser com o dom de manipular o tempo e se transformar em ave —, ele entende que o lar está preso em um ciclo temporal eterno, revivendo o mesmo dia de 1943, momentos antes de um ataque nazista. Essa repetição oferece segurança às crianças, protegendo-as das ameaças externas, mas ao custo de uma existência estagnada. 

O contexto histórico não é acidental. Durante o Holocausto, o regime nazista perseguiu e exterminou sistematicamente aqueles que considerava “impuros” ou “indesejáveis”. No universo de Riggs, as crianças peculiares simbolizam aqueles que seriam alvos dessa brutalidade, expondo a intolerância como uma força destrutiva que atravessa a ficção e a realidade. Assim, os “peculiares” são uma metáfora das vítimas da perseguição, apresentando uma crítica sutil, mas contundente, à discriminação e à supremacia.

O antagonismo se materializa em Barron (Samuel L. Jackson) e seus seguidores, os “etéreos”, seres que caçam os peculiares em busca de poder. Essas criaturas são uma personificação do medo e do ódio direcionados ao diferente. Motivados por uma visão de controle absoluto, Barron e seus aliados refletem uma mentalidade que busca erradicar tudo o que não pode compreender ou dominar.

Ao longo da trama, Jacob evolui de um jovem inseguro para alguém que reconhece seu próprio valor e papel essencial no destino do grupo. Essa transformação sublinha uma das mensagens mais importantes do filme: muitas vezes, nossas qualidades mais significativas estão ocultas, esperando o momento certo para se manifestarem. O percurso de Jacob é também uma metáfora para o autoconhecimento, mostrando que a aceitação de si mesmo é um passo essencial para enfrentar os desafios externos.

A obra não se limita à fantasia escapista. Burton equilibra o sombrio e o encantador, utilizando sua estética única para destacar os simbolismos subjacentes. Cada detalhe visual contribui para reforçar a narrativa, transformando o filme em uma experiência rica tanto emocional quanto intelectual. As cenas são envolventes, mas também provocam reflexão, convidando o espectador a considerar o impacto do preconceito e a celebrar as diferenças como fonte de força coletiva.

O clímax apresenta os peculiares como heróis em uma batalha pela sobrevivência e pela aceitação, uma luta que vai além do enfrentamento físico. Eles representam a resistência ao conformismo e a insistência em preservar suas identidades. Essa mensagem é reforçada por cada peculiaridade única, demonstrando que a diversidade não é uma fraqueza, mas a base de uma verdadeira comunidade.

“O Lar das Crianças Peculiares” se consolida como uma metáfora para o respeito à individualidade e o enfrentamento da intolerância. Mais do que uma história de aventura, é um lembrete de que as diferenças devem ser vistas como riquezas e que, em tempos de ódio e exclusão, a empatia e a aceitação são atos de coragem. Transformada pela visão de Tim Burton, a narrativa de Ransom Riggs não apenas encanta, mas se torna um manifesto artístico contra o preconceito e uma celebração da humanidade em sua forma mais peculiar e bela.

Filme: O Lar das Crianças Peculiares
Diretor: Tim Burton
Ano: 2016
Gênero: Aventura/Fantasia
Avaliaçao: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★
Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.