Rodrigo García carrega consigo o peso e o privilégio de um legado familiar de grandes narrativas. Filho do icônico Gabriel García Márquez, o diretor colombiano, entretanto, construiu seu próprio caminho com talento inegável. Responsável por episódios memoráveis de séries como “Família Soprano”, “Carnivàle”, “A Sete Palmos” e “Big Love”, além do aclamado “Albert Nobbs”, que rendeu uma indicação ao Oscar para Glenn Close, Rodrigo também é o roteirista por trás de “Destinos Ligados” e um indicado ao Emmy. Em “Família”, no entanto, ele se aventura em um território ainda mais pessoal: dirige, pela primeira vez, um longa em espanhol, sua língua materna, com um roteiro coescrito ao lado da dramaturga Barbara Colio.
O filme, como o título sugere, é um mergulho profundo no universo familiar. Uma arena onde vínculos, contrastes e histórias se entrelaçam em uma dança complexa de amor e ressentimentos. Todas as famílias carregam suas singularidades – códigos invisíveis, tradições e afetos que só os seus membros compreendem plenamente. É nessa unicidade que reside a essência de “Família”. A obra não busca espetáculos; sua força está na simplicidade de transpor ao cinema a rotina e os dilemas humanos, aproximando a vida comum da tela grande.
A sensibilidade narrativa de Rodrigo não deixa de evocar a herança de seu pai, um mestre em transformar o ordinário em extraordinário. Como Gabriel fez com a literatura, Rodrigo traduz para o cinema emoções difíceis de nomear, revelando uma conexão visceral com o que há de mais íntimo e essencial na condição humana. Essa habilidade, frequentemente subestimada, é talvez o maior desafio de qualquer artista: capturar o banal e convertê-lo em arte profunda.
Em “Família”, acompanhamos um único dia na vida do patriarca Leo (Daniel Giménez Cacho), dono de um rancho de olivas em Baja California, México. Exausto de carregar sozinho o peso do negócio, Leo convoca filhas, genro, nora, namorada e netos para discutir uma oferta de compra feita por uma multinacional. Na modesta mesa de madeira colocada no terreiro, inicia-se um longo e intenso debate. Ali, entre memórias compartilhadas, ressentimentos velados e amores antigos, o rancho se transforma em mais do que um pedaço de terra: ele é a representação física de gerações de histórias e sacrifícios.
A possível venda do rancho desencadeia uma avalanche de emoções. Para Leo, o rancho é um fardo, mas também sua identidade; para os filhos, é um elo nostálgico com o passado, porém impraticável em suas vidas urbanas. Enquanto Leo carrega sozinho o peso de manter viva essa herança, os filhos veem o lugar como uma relíquia que já não atende às demandas da nova geração. A decisão de vendê-lo ou não transcende questões financeiras, atingindo o âmago das relações familiares.
“Família” é, ao mesmo tempo, uma reflexão delicada sobre a passagem do tempo e uma dolorosa meditação sobre despedidas. A possível perda do rancho simboliza o encerramento de ciclos e a irreversibilidade do adeus. Cada memória ligada àquele espaço parece prestes a ser sepultada no passado, forçando os personagens – e o público – a confrontar a difícil pergunta: quando é hora de deixar o passado para trás?
Rodrigo García conduz a narrativa com maestria, equilibrando a profundidade dos sentimentos e a naturalidade dos diálogos. “Família” não é apenas um filme, mas uma experiência visceral, que remexe feridas e evoca a beleza melancólica dos laços que nos definem. Uma obra de rara intimidade, onde a ficção encontra a verdade de maneira inesquecível.
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