Considerado um dos maiores faroestes do século, obra-prima com Brad Pitt está no Max Divulgação / Warner Bros.

Considerado um dos maiores faroestes do século, obra-prima com Brad Pitt está no Max

Desde o instante mais primitivo de nossas vidas, momento em que nos damos conta de uma incôndita noção de humanidade, passa a nos acompanhar também a ideia de que o quer que desejemos exige sacrifício, às vezes tolerável, outras nem tanto. Quanto mais se gozam as falsas delícias do mundo, mais se tem claro que nenhuma delas satisfaz a vastidão das necessidades e das humanas carências, pelo contrário: àquela sensação primeira, tão aprazível, soma-se o fumo de alguma coisa que queima na pira de destruição em que arde a alma do homem desde o princípio dos tempos, alimentada até o Juízo Final, e mesmo no além-mundo choro e ranger de dentes serão uma constante, prova de que até depois da morte ninguém se livra do quis e fez quando vivo, como num quadro renascentista.

“O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford” é um conto de morte, mas também sobre as neuroses que povoam os desejos do homem, num misto de luxúria, ganância, inveja e paixão, subindo e descendo nas intensidades que a história exige. No início da carreira, o neozelandês Andrew Dominik parecia mais inclinado a registrar esses desacertos entre criminosos, e aqui de alguma forma continua o que já havia apresentado em “Chopper” (2000), a biografia romanceada de Mark Brandon Read (1954-2013), o prisioneiro mais conhecido da Austrália, esfaqueado por um companheiro de cela. Como se pode ver pelo título, este filme acaba em tragédia, mas até que chegue o tal momento, toma corpo uma sucessão de insânias envolvendo um bandido mitificado e seu assecla mais fiel, o enredo que verdadeiramente importa. 

À medida que correm os 160 minutos, mais forte é a sensação de que Robert Ford (1862-1892) nutria por Jesse Woodson James (1847-1882) uma atração inconfessada e, claro, não correspondida, aspecto que o roteiro de Dominik, baseado no romance homônimo de Ron Hansen, de 1983, faz questão de ressaltar. Não, nunca há nada mais do que isso entre eles — malgrado seja impossível não lembrar de “O Segredo de Brokeback Mountain” (2005), a adaptação de Ang Lee para o romance publicado por Annie Proulx em 1997, ou do recente “Estranha Forma de Vida” (2023), de Pedro Almodóvar, que admitiu ter mirado o drama do taiwanês —, mas sempre paira uma tensão nas cenas em que os dois homens estão juntos, e não é para menos: Bob acompanha a trajetória de Jesse desde os doze anos, e aos dezenove, quando finalmente tem a chance de atuar lado a lado com seu ídolo, é rejeitado por Frank, o patriarca do clã de salteadores vivido por Sam Shepard (1943-2017).

Essa cena vigorosa, mas discreta, e plena de significado, define muito do que se vê mormente na segunda metade, com Jesse próximo o bastante de Bob para farejar suas reais  intenções e concluir que, sim, poderia ser traído. Brad Pitt e Casey Affleck duelam pelo lugar de estrela, sabendo frisar detalhes pouco evidentes do lance decisivo. Enquanto Jesse parece entregar-se de boa vontade, quiçá certo de que sua figura prevalecerá sobre a de seu algoz, Bob tem igual certeza sobre a bem-aventurança de seu destino. Como se sabe, apenas Jesse James é lembrado, não obstante os dois fossem párias nos Estados Unidos do século 19. Mas Robert Ford desceu baixo demais.

Filme: O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford
Diretor: Andrew Dominik
Ano: 2007
Gênero: Crime/Faroeste
Avaliaçao: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.