A segunda temporada da série da Netflix mais esperada de 2024 é também a maior decepção do ano Divulgação / Netflix

A segunda temporada da série da Netflix mais esperada de 2024 é também a maior decepção do ano

Há três anos, espectadores do mundo inteiro passaram a conhecer — e a se encantar — com uma face da ganância e do desespero inaudita até então. Uma série de competições desumanas cujo eixo move-se em torno de gente vulnerável, que topa tudo por dinheiro, como se assistia na televisão aberta do Brasil nos anos 1990, porém disposta a passar por mais que humilhação e ignomínia. “Round 6” não teria se transformado no fenômeno que é sem nosso insaciável apetite pelo mórbido, quase sempre mascarado pelo cínico pretexto da empatia, termo tão gasto para uma atitude tão eivada pelo marketing.

Nesses novos sete capítulos, o diretor-roteirista Hwang Dong-hyuk leva sua história desmembrando eventos da primeira temporada, ora seguindo o que apresentara antes, ora ousando incluir novos arcos dramáticos e conflitos, estratégia perigosa que pode tanto atrair novos fãs como melindrar os já fidelizados. Hwang corre o risco, dosando ação e drama ao longo de cerca de sete horas de cenas milimetricamente pensadas que reúnem algumas boas surpresas e muita espuma.

Um resumo situa o público quanto aos lances decisivos da primeira fase. É quando o vencedor Seong Gi-hun recusa-se a embarcar no avião para os Estados Unidos e resolve investigar quem está por trás do tal Jogo da Lula. Gi-hun, o Jogador 456 procura o Vendedor, o sujeito que seleciona os possíveis competidores, e as ótimas atuações de Lee Jung-jae e Gong Yoo garantem a diversão de quem procura algo mais que frio na barriga. O roteiro de Hwang fixa-se nos dois primeiros episódios para explicar o que se vê agora, valendo-se de uma imagem lúdica para elucubrar sobre a baixeza da existência. Concluímos junto com o protagonista que ele só será capaz de desvendar os mistérios da organização caso aceite voltar à peleja, e aí as coisas ficam meio confusas. 

Essa era a oportunidade ideal paraque o diretor enxugasse a narrativa e permitisse que Lee e Gong Yoo dessem outra vez uma prova do talento e carisma inequívocos que fizeram deles astros pop na Coreia do Sul e no mundo. Todavia, o excesso de personagens secundários deixa o andamento vagaroso a certa altura, restringindo a iniciados a compreensão e mesmo a quase imbatível vontade de saber para onde vai o enredo — e polêmicas vazias, a exemplo da escalação de um ator cisgênero para viver uma mulher trans decerto não ajudam, malgrado valha, sim, o argumento de que não é tão fácil achar pessoas trans por aquelas bandas.

Ninguém questiona que este seja um modelo da mais esmerada artesania, no qual resta evidente o zelo sob qualquer ângulo, da direção de arte de Gim En-jee e Han Jaehyun à fotografia de Lee Hyeong-deok, passando pelos figurinos de Jo Sang-gyeong ou pela maquiagem de Tae-hee Jo. Hwang, por seu turno, continua preciso ao expor a miséria da alma humana, cujas dimensões sempre podem descer um pouco mais, apresentando-se sob sua forma mais vil: a urgência do dinheiro para a sobrevivência física em detrimento da saúde espiritual. Contudo, a segunda temporada esgota-se pouco antes da metade, sem nenhuma razão que justifique a já alardeada prorrogação em 2025 que não seja o velho mundo cão festivo dos programas de auditório de antanho. O jogo esfriou. Game over.


Série: Round 6 – Segunda temporada 
Direção: Hwang Dong-hyuk
Anos: 2021-2024
Gêneros: Thriller
Nota: 7/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.