Na capital da Turquia, como em São Paulo ou Nova York, catadores enchem seus carrinhos com o lixo precioso das zonas endinheiradas da cidade, e aprendem o ofício desde cedo, principalmente se, na falta dos pais, têm de se virar desde muito pequenos a fim de garantir dinheiro para o básico: comer, comprar uma peça de roupa quando a que vestem se rasga pelo tempo de uso e uma dose, por menor que seja, do entorpecente mais barato do submundo. Se os moradores de Istambul lutam por dias de sossego, em Esmirna, no cálido litoral oeste do país, grassa uma imperturbável aura de relaxamento, procurada por muita gente, mas também motivo do reproche de outros tantos.
Cada uma dessas cidades concentra fascínios e mazelas, bem como Kumru e Fatih, os sedutores protagonistas de “Amor a 39 Graus”. Tunç Sahin elabora uma comédia ao gosto de Hollywood, distribuindo as cenas entre as duas locações e contando com o carisma de dois astros nacionais para segurar a audiência até o desfecho. Sahin, famoso na Turquia depois da vitória no Festival Internacional de Cinema de Antália (o antigo Golden Orange Film Festival) com “Two Types of People” (2020), subverte clichês a fim de obter um resultado mais ou menos inventivo, com direito a final feliz entre alguma turbulência.
O passar do tempo e a maturidade — variações sobre um mesmo tema, que não convergem necessariamente — impõem-nos a lucidez do raciocínio que prega a importância fundamental de se encontrar alguma parte que seja nossa, nossa e de mais ninguém, tendo claro que esse lugar não é um feudo, hereditário, monolítico, sem fim, já que a própria vida não é nenhuma dessas coisas, e tampouco é sempre pacífica, idílica, plácida, e não raro é o oposto disso. Kumru entendeu desde muito cedo que, se quisesse desfrutar da vida burguesa das socialites que aprendeu a admirar, teria de dar outro rumo a sua história. Ela deixara Esmirna ainda garota e fora estudar em Istambul, onde tornou-se uma advogada de futuro promissor.
Como ninguém jamais tem tudo, ela não supera a rejeição de um namorado, e na sequência inicial do roteiro de Uygar Sirin é vista numa boate, entre lágrimas e doses de ouzo, com as amigas. A viagem profissional para, claro, Esmirna, onde a solução do divórcio de um amigo de seu chefe vira uma verdadeira prova de fogo, não por suas possibilidades de ou alçá-la a uma das melhores do escritório, ou de fazê-la retroceder algumas casas em seus planos, mas por ser obrigada a reviver a rotina caótica de sua cidade natal. Sahin vale-se desse gancho para juntar ao enredo Fatih, um aspirante a músico que não consegue decolar na carreira, mas não passa fome graças ao pai rico.
Ayça Aysin Turan e Furkan Andic literalmente brilham na fotografia de Özgür Eken, que faz tudo parecer um sonho de verão sem muito sentido, mas ao qual não se consegue ficar indiferente. Às vezes, a promessa de felicidade da beleza é tudo de quanto se precisa.
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