Com Robert DeNiro e Jodie Foster, obra-prima que é um divisor de águas do cinema e um marco cultural está na Netflix Divulgação / Columbia Pictures

Com Robert DeNiro e Jodie Foster, obra-prima que é um divisor de águas do cinema e um marco cultural está na Netflix

É difícil encontrar alguém na indústria cinematográfica que tenha criado tantas obras-primas quanto Martin Scorsese. Um ícone incomparável, ele é o mestre por trás de filmes como “Touro Indomável” e “Os Bons Companheiros”, e sua carreira é marcada por um legado de prêmios, incluindo o tão cobiçado Oscar por “Os Infiltrados”. Contudo, uma de suas produções mais emblemáticas, “Taxi Driver”, permanece no imaginário coletivo como um dos maiores marcos da história do cinema. Indicado a quatro Oscars e aclamado pela crítica, o filme não levou estatuetas para casa, mas conquistou um status de culto irreversível.

Entretanto, sua recepção não foi isenta de polêmicas. O longa, inspirado pela onda de assassinatos de líderes políticos como os irmãos Kennedy, Malcolm X e Martin Luther King, gerou um debate feroz sobre a glorificação da violência. O roteirista Paul Schrader, ao construir a história de Travis Bickle, também encontrou inspiração em eventos reais, como a tentativa de assassinato do presidente Ronald Reagan, e essa associação causou inquietação. Muitos o acusaram de promover uma apologia ao comportamento violento.

O cenário de “Taxi Driver” é uma Nova York assolada pela criminalidade e pela degradação social. As ruas, invadidas por lixo, mendigos, prostitutas e criminosos, se tornam o palco da jornada de Travis Bickle (Robert De Niro), um veterano traumatizado da Guerra do Vietnã. Sua insônia, resultado de um estresse pós-traumático avassalador, o leva a assumir o trabalho como motorista de táxi, transportando passageiros do Harlem ao Brooklyn durante as madrugadas, imerso em uma cidade à beira do colapso.

Bickle é um homem socialmente inepto, com traços claros de esquizofrenia, racismo, machismo e narcisismo. Ele tenta se aproximar de Betsy (Cybill Shepherd), uma jovem que trabalha na campanha de Charles Palantine (Leonard Harris), mas seu primeiro encontro com ela em um cinema de filmes eróticos é um desastre, resultando em seu afastamento. Esse fracasso relacional apenas acentua sua amargura em relação às mulheres. Contudo, ao conhecer Iris (Jodie Foster), uma prostituta adolescente vítima de abuso, Bickle vê uma oportunidade de redimir-se, tentando convencê-la a escapar do controle de seu cafetão, Sport (Harvey Keitel), e voltar para sua família.

Enquanto percorre as ruas noturnas de Nova York, Bickle se vê imerso em um turbilhão de raiva, solidão e desespero. Sua visão da cidade é distorcida por um profundo ressentimento em relação ao que considera uma “escória social” que toma as ruas. Nesse cenário, sua mente perturbada se transforma em um terreno fértil para a violência. Motivado por uma vontade de justiça distorcida, ele começa a se preparar para um assassinato: matar Palantine em um comício, como uma forma de purificação.

Travis Bickle é uma das figuras mais perturbadoras da cinematografia mundial, representando o lado sombrio e demoníaco que pode habitar até os indivíduos mais comuns, vivendo à margem da sociedade. O personagem não é apenas inspirado em Arthur Bremer, o atirador de George Wallace, mas também reflete a turbulência do próprio roteirista, Paul Schrader, que, em sua vida pessoal, passava por uma crise emocional semelhante à de Bickle. Durante o período em que escreveu o roteiro, Schrader morava em seu carro, sofria de insônia e enfrentava a perda do lar, o que alimentou sua identificação com o protagonista. Porém, enquanto Bickle se afasta da realidade, Schrader canalizou suas frustrações para a arte, evitando o desfecho trágico do personagem.

A estética de “Taxi Driver” é inconfundível, com uma aura neo-noir que reforça a sensação de iminente catástrofe. A trilha sonora de Bernard Herrmann, com suas notas tensas e imersivas, acompanha a degradação emocional de Bickle, criando um ambiente de suspense que cresce constantemente até o clímax. A princípio relutante, Herrmann aceitou participar do projeto após conhecer mais sobre o protagonista, mudando sua opinião inicial de que o filme era uma mera produção de ação.

Um dos aspectos mais notáveis de “Taxi Driver” é a representação das ruas imundas de Nova York, cuja sujeira é exacerbada pela greve dos lixeiros durante as filmagens, um detalhe que adiciona uma camada de autenticidade ao retrato de uma cidade em decadência. Este contexto só amplifica o desconforto e a alienação de Travis.

“Taxi Driver” não é apenas uma obra cinematográfica, é um patrimônio cultural. O filme está recheado de curiosidades, sendo uma delas o fato de Robert De Niro ter recebido apenas 35 mil dólares pelo seu papel, um valor insignificante para um ator de sua estatura na época, já que ele ainda não era amplamente reconhecido. Contudo, antes do início das filmagens, De Niro já havia ganhado o Oscar por sua performance em “O Poderoso Chefão – Parte II”, o que elevou sua imagem. Mesmo assim, ele manteve sua palavra e participou do filme, protagonizando uma das cenas mais icônicas da história do cinema. No momento em que Travis, em frente ao espelho, pergunta: “Você está falando comigo?”, De Niro improvisou completamente, criando um momento que se tornaria um símbolo da cultura pop.

Um dos maiores clássicos do cinema, “Taxi Driver” se destaca não apenas por sua trama e personagens memoráveis, mas também pela profundidade e complexidade de seu roteiro. Um estudo de alienação, desesperança e violência, o filme é uma obra essencial para qualquer amante da sétima arte, sendo, indiscutivelmente, um dos pilares da cinematografia mundial.

Filme: Taxi Driver
Diretor: Martin Scorsese
Ano: 1976
Gênero: Crime/Drama
Avaliaçao: 10/10 1 1
★★★★★★★★★★