Quando o brilho da juventude desvanece, o que permanece é a memória de um esplendor que já não existe. O envelhecimento, sobretudo para as mulheres, é um lembrete constante da exclusão e da negligência em uma sociedade que as julga pela aparência. Enquanto os homens ganham atributos como sabedoria e sofisticação com o passar do tempo, as mulheres são cruelmente associadas à decadência, tornando-se invisíveis ou descartáveis diante de padrões misóginos.
No universo da fama, onde a imagem é capital, envelhecer é um processo observado com crueldade pública. Cada traço da passagem do tempo é dissecado, reforçando a pressão estética. Na obra de Coralie Fargeat, “A Substância”, essa realidade é desconstruída em um humor negro feroz que evoca figuras como Medusa e o universo opressivo de “Carrie, a Estranha”. O filme retrata Elisabeth Sparkle, vivida por Demi Moore, uma estrela cujo brilho cede espaço ao peso da idade. Antes uma atriz premiada, ela agora sofre rejeição em seu papel como apresentadora fitness, alvo do desprezo de Harvey (Dennis Quaid), um executivo retratado de forma grotesca que amplifica o machismo de sua figura autoritária e descuidada.
Na trama, Elisabeth se submete a um procedimento experimental que produz Sue, sua versão mais jovem e irresistível, a partir de seu próprio corpo, questionando limites biológicos e sociais. Mas o custo é devastador: para sustentar Sue, Elisabeth se sacrifica literalmente, oferecendo sua juventude residual em um ritual que assemelha a obsessão pela beleza a um vício destrutivo. A dependência é metaforizada por práticas como o consumo de drogas, acentuando o caráter visceral da narrativa.
Conforme Sue se impõe, a decadência de Elisabeth ganha contornos ainda mais intensos, expondo a brutalidade de uma sociedade obcecada pela juventude e negligente com a humanidade das mulheres. A cineasta utiliza metáforas incisivas para criticar o machismo e os padrões inatingíveis impostos ao corpo feminino, enquanto a atuação de Demi Moore e Margaret Qualley dá profundidade e inquietação ao enredo. O retrato dos homens como figuras grotescas e predatórias reforça o peso de um sistema patriarcal que oprime e consome a essência feminina.
“A Substância” é um protesto visual e narrativo contra a objetificação e a exploração do corpo da mulher. Com sua estética impactante e subtexto contundente, o longa foi aclamado com 11 minutos de aplausos em Cannes, consolidando-se como uma experiência cinematográfica inovadora e perturbadora. Disponível no canal Mubi, acessível via Apple TV+, o filme é uma poderosa reflexão sobre os limites da beleza e os custos de se submeter a padrões inalcançáveis.
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