Os sonhos, em sua essência, carregam a capacidade de suavizar a dureza da existência e oferecer um alento contra o peso das rotinas. Imagine o que poderia ocorrer se cada pessoa cultivasse ideais tão audaciosos que fossem perseguidos até se materializarem no cotidiano. Para que isso aconteça, no entanto, é imprescindível que estejamos à altura dessas aspirações, um processo que exige coragem para romper com o conhecido, revisar escolhas e explorar os recantos mais profundos de nós mesmos. É nesse ímpeto que Ada Harris encontra sua motivação: um vestido — mas não qualquer vestido.
Viúva da Primeira Guerra Mundial, Ada sobrevive como governanta em Londres. Ela economiza meticulosamente até decidir partir rumo a uma terra que, para ela, combina encanto e possibilidade. Na adaptação de Anthony Fabian para “Sra. Harris vai a Paris”, vemos a protagonista retratada com nuances irônicas e um lirismo comedido. Baseado no romance de Paul Gallico, Fabian injeta uma ironia tipicamente britânica na narrativa, enquanto transforma cenas banais em momentos visualmente impactantes, com figurinos de Jenny Beavan — indicada ao Oscar — e a atuação brilhante de Lesley Manville, que capta a alma vibrante e resiliente de Ada.
Em sua jornada, Ada se depara com uma realidade inescapável: o mundo é uma projeção das nossas próprias idiossincrasias, onde a felicidade parece uma miragem, mas ainda assim irresistivelmente sedutora. O tempo, soberano e implacável, não cessa, e sua presença perpassa todas as coisas. Sem formação filosófica, mas profundamente moldada pela experiência, Ada decide que viver significa muito mais que apenas existir. Sua busca por um vestido em Paris torna-se, no fundo, um exercício de autodescoberta, entre encontros transformadores e perspectivas inesperadas. O vestido, afinal, era apenas um Dior, mas a vida, essa sim, foi o verdadeiro prêmio.
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