A busca por significado, o confronto com as expectativas familiares e o fascínio pelo poder transformador do cinema se entrelaçam em “Os Fabelmans”, uma das obras mais pessoais de Steven Spielberg. Este filme não apenas reflete a trajetória do diretor, mas também transcende as fronteiras da autobiografia ao explorar o papel da arte na formação de uma identidade. Spielberg levou décadas para transformar suas memórias em narrativa, e o faz com uma mestria que combina sutileza e grandiosidade, centrando a história em uma família judia cujas dinâmicas são tão complexas quanto profundamente humanas.
No núcleo da trama estão Mitzi e Burt Fabelman, interpretados com maestria por Michelle Williams e Paul Dano. Mitzi, uma pianista que abriu mão de uma carreira promissora pela família, carrega uma inquietação artística que contrasta com a abordagem prática e metódica de Burt, um cientista bem-sucedido. Entre eles está Sammy, o jovem que herda a sensibilidade criativa da mãe e a determinação lógica do pai. A jornada de Sammy se inicia quando seus pais o levam para assistir a “O Maior Espetáculo da Terra” (1952), de Cecil B. DeMille. Essa experiência desperta nele uma paixão irreversível pelo cinema, catalisada pela cena do desastre de trem, que ele recria obsessivamente com seus brinquedos, muito para o desgosto do pai e o encanto da mãe.
A primeira fase da narrativa apresenta Mateo Zoryon Francis-DeFord como o jovem Sammy, cuja curiosidade e entusiasmo são palpáveis. Ele inicia seus experimentos cinematográficos com a gravação de pequenas cenas, revelando um talento precoce que transcende a mera diversão infantil. Mais tarde, já adolescente, interpretado por Gabriel LaBelle, Sammy direciona sua criatividade para projetos mais ambiciosos, como um filme de guerra improvisado com os colegas escoteiros. LaBelle incorpora com habilidade a transição de Sammy para um jovem cineasta, equilibrando a ingenuidade do início com a sofisticação técnica que emerge.
A narrativa de Spielberg, coescrita com Tony Kushner, investe tempo em construir as nuances emocionais e culturais que moldam os Fabelmans. O filme aborda não apenas o crescimento de Sammy, mas também os sacrifícios e dilemas de seus pais, refletindo os desafios de equilibrar ambição pessoal e responsabilidade familiar. Michelle Williams entrega uma atuação profundamente comovente como Mitzi, uma mulher dividida entre a realização de seus sonhos e as demandas da vida doméstica. Paul Dano, por sua vez, traz uma interpretação contida e cheia de camadas como Burt, cuja lógica aparentemente inflexível esconde uma admiração silenciosa pelo gênio criativo do filho.
O impacto de “Os Fabelmans” está em sua capacidade de capturar momentos singelos e transformá-los em reflexões universais sobre a condição humana. Spielberg revela aqui, com notável delicadeza, como suas experiências de juventude moldaram sua visão de mundo e sua relação com o cinema. Em cenas que combinam humor e pathos, o filme explora temas como perda, descoberta e a inevitável tensão entre aspirações individuais e laços familiares.
Ao longo da carreira, Spielberg demonstrou uma habilidade inigualável para transformar experiências pessoais e ideias aparentemente simples em fenômenos culturais. Obras como “E.T. – O Extraterrestre” (1982), “A Lista de Schindler” (1993) e até mesmo “Tubarão” (1975) são exemplos dessa capacidade de tocar o público ao mesmo tempo em que redefine as possibilidades do cinema. Em “Os Fabelmans”, ele vai além, entregando um retrato sincero e envolvente de sua própria origem como contador de histórias.
Por fim, “Os Fabelmans” é mais do que um filme sobre o nascimento de um cineasta; é uma celebração do cinema como meio de autodescoberta e conexão. Spielberg oferece ao público não apenas um vislumbre de sua história pessoal, mas também uma reflexão sobre o impacto das narrativas em nossas vidas. Com um equilíbrio impecável entre intimidade e universalidade, o filme solidifica ainda mais seu lugar como um dos maiores mestres do cinema contemporâneo.
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