Paz. Amor. Alegria. Saúde. Prosperidade. O que mais poderia requerer de bem para um novo ano que se avizinha? Desejar o que ainda não foi desejado, por suposto. A felicidade é um sentimento relativo. O fazer-se de vivo das pedras. O fazer-se de morto das feras. Desconsiderando a enfática falta de empatia das criaturas sem sentimentalidades, há quem garanta que as plantas sentem, pressentem e até mesmo se apoquentam com as pessoas. Sob amor zeloso, florescem. Sob indiferença, perdem o viço e definham em sinal de descontentamento. Pela natureza tacanha, suponho que já sequei roseiras, embora, ultimamente ande me afeiçoando pelos jardins. Eu e as flores de todos os sortimentos entendemo-nos melhor a cada dia, planando entre abelhas, marimbondos e colibris. Há tempos não me pegava flutuando nas alvissareiras asas do pensamento. O que mais poderia desejar de positivo para aqueles que compartilham comigo todos os caminhos? Um par de sapatos? Um carro novo? Um emprego novo? Um novo amor para cicatrizar velhas cicatrizes? Vivemos o drama contemporâneo de sermos bombardeados pelo excesso e pela velocidade das informações. Vivemos acelerados, ansiosos, atarantados pelas mentiras e pelas verdades cruentas que eclodem das bolhas de isolamento que nos foram impingidas pelas telas. Como gado manso num curral de frivolidades, quedamos submissos, regidos pelos ferrões virtuais dos algoritmos, apartados por gostos e por desgostos, viciados nos vieses de nós mesmos em áridas searas de ensimesmamento, as quais nos remetem ao narcisismo pernicioso sem precedentes, sem esquemas imediatos para eclodir das cascas e dos invólucros com as quais fomos revestidos pelas mídias de um mundo virtual sem empatia. Investido de boa fé, o que mais quereria de bem verdadeiro para um ente ou um amigo no ano novo que se achega? Uma droga eficiente? Um prazer jamais gozado? A velhaca sensação de imortalidade? Terminamos dezembros envoltos em planos futuros compilados sob o efeito da fantasia. A fantasia, assim como a fumaça, é a primeira virtude humana que se dissipa quando o mundo cão volta a latir pela janela. Ousaria desejar algo que, de tão bom, jamais foi desejado. Imagino, quem sabe, uma condição tão suave quanto levitar entre as cores de um jardim florido, sem o óbvio recurso das asas, valendo-nos tão somente da imaginação e do conluio mavioso das palavras, num recurso promissor e imprescritível de quem, se ainda não se fez ave, fez-se poeta.
O que eu lhe desejo de bom para o ano novo ainda não foi desejado
Eberth Vêncio
Eberth Franco Vêncio, médico e escritor, 59 anos. Escreve para a Revista Bula há 15 anos. Tem vários livros publicados, sendo o mais recente Bipolar, uma antologia de contos e crônicas.