Ridley Scott não escolhe uma história por acaso. Ao decidir explorá-la, o cineasta se entrega completamente, absorvendo os aspectos mais profundos do enredo para construir algo que, mesmo sem romper com tradições, apresenta frescor e autenticidade. Um dos diretores mais prestigiados de Hollywood, Scott imprime em cada projeto um estilo singular. Ele transita entre ficções ousadas, como o clássico “Alien — O 8º Passageiro” (1979), e narrativas baseadas em eventos reais, ainda que repletas de nuances fantasiosas, como em “Casa Gucci” (2021). Ao explorar histórias verídicas com pitadas de fantasia, Scott costuma trazer à tona segredos e ângulos inéditos, revivendo eventos do passado sob novas lentes. Sua abordagem detalhista e meticulosa dá forma a narrativas investigativas que equilibram precisão e naturalidade, destacando-se pela habilidade de transformar o ordinário em algo memorável e instigante.
Em um submundo dominado por códigos próprios, um motorista afro-americano transforma-se no rei da heroína na Nova York dos anos 1970, enquanto tenta escapar da vigilância de um policial incansável. Embora pareça improvável, a trama revela raízes em eventos reais e desenvolve uma narrativa envolvente. O enredo, longo e intrincado, recompensa os espectadores que superam as mais de duas horas e meia de projeção, questionando o conceito de justiça e expondo as contradições morais de seu protagonista. O personagem central, ambíguo e magnético, transita entre a genialidade empresarial e os perigos do crime, destacando-se como uma figura complexa e irresistível. Assim, a obra desafia noções preconcebidas sobre certo e errado, construindo uma análise afiada sobre poder, moralidade e a corrupção que perpassa todas as esferas sociais.
Frank Lucas, interpretado de forma icônica por Denzel Washington, poderia ter sido um símbolo de sucesso corporativo, caso sua trajetória não estivesse enraizada na criminalidade. Com uma visão estratégica única, Lucas enxergou na Guerra do Vietnã uma oportunidade para dominar o mercado de heroína nos Estados Unidos. Ao identificar a epidemia de opioides entre soldados no Sudeste Asiático, viajou pessoalmente ao Vietnã para negociar a compra de heroína pura, iniciando um império criminoso com base no Harlem, em Nova York. A “Magia Azul”, como era chamada a droga, tornou-se sinônimo de qualidade, consolidando sua posição como líder de um cartel avaliado em mais de 250 milhões de dólares. No entanto, sua ascensão atraiu inimigos e colocou a polícia em sua cola, principalmente Richie Roberts, detetive interpretado por Russell Crowe, cuja atuação rivaliza com a de Washington. O confronto entre os dois personagens, ambos ambíguos em seus princípios, estrutura a narrativa de maneira envolvente e provocativa.
Inspirado pelo legado de Martin Scorsese, “O Gângster” dialoga com obras como “Gangues de Nova York” e “O Irlandês”, ao explorar personagens fora da lei cuja ascensão desafia os limites impostos pela sociedade. Richie Roberts, o responsável pela prisão de Lucas após anos de perseguição, surpreendeu ao abandonar sua posição na polícia para trabalhar ao lado do antigo inimigo. Mesmo após cumprir uma pena reduzida, Lucas manteve boa parte de sua fortuna ilícita, vivendo seus últimos anos sob relativa tranquilidade. Morreu em 2019, aos 88 anos, deixando um legado que mistura crime, astúcia e sobrevivência.
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