Inspirado em história real, terror com uma das atuações mais brilhantes de Ethan Hawke está na Netflix Divulgação / Universal Pictures

Inspirado em história real, terror com uma das atuações mais brilhantes de Ethan Hawke está na Netflix

Entre as inúmeras tentativas de renovar o gênero do terror, “O Telefone Preto”, dirigido por Scott Derrickson, emerge como um curioso paradoxo: embora traga elementos instigantes, acaba sendo engolido por comparações inevitáveis e pela sombra de um sobrenome que carrega expectativas colossais. Para o espectador atento, a semelhança com “O Telefone do Sr. Harrigan” (2022) é impossível de ignorar. Adaptado do conto de Stephen King, o filme de John Lee Hancock explora a relação entre um jovem e um universo adulto cada vez mais hostil, misturando melancolia e horror em doses calculadas. Mas em “O Telefone Preto”, o peso das coincidências transcende o roteiro: a história de Joe Hill — filho de King — parece, ironicamente, um eco mais fraco do que o pai já escreveu.

Situado em Denver no final da década de 1970, o filme não esconde sua inspiração no universo moralmente desintegrado do Meio-Oeste americano, tão caro a King. Esse cenário funciona como palco para Finney Shaw, um adolescente que tenta sobreviver aos desafios típicos da juventude: bullying, insegurança e a pressão de corresponder às expectativas alheias. Interpretado por Mason Thames, Finney é um protagonista que equilibra vulnerabilidade e resistência, embora a trama o coloque rapidamente em uma posição extrema: a de vítima de um sequestrador sádico.

O vilão, conhecido apenas como “o Sequestrador”, é habilmente interpretado por Ethan Hawke, cuja atuação transita entre o grotesco e o enigmático. No entanto, a narrativa prefere esconder a verdadeira identidade do antagonista até quase o final, optando por uma construção de suspense que, em muitos momentos, parece arrastar-se mais do que avançar. A lentidão do roteiro torna-se especialmente frustrante quando as respostas finalmente surgem, apenas para culminar em um desfecho que, embora eficiente, carece de originalidade.

O elemento sobrenatural que deveria ser o diferencial da história — o telefone preto que conecta Finney às vítimas anteriores do Sequestrador — é tratado de forma ambígua. Embora ofereça oportunidades para explorar o terror psicológico e a interação entre vivos e mortos, o roteiro parece hesitar em se aprofundar nessas possibilidades, limitando-se a criar situações que oscilam entre o estranho e o previsível. O resultado é um filme que flerta com a inovação, mas raramente entrega algo genuinamente surpreendente.

A relação entre Finney e Bruce Yamada, seu amigo e estrela do time de futebol da escola, é outro ponto que merecia maior atenção. Bruce, interpretado por Tristan Pravong, é uma figura carismática, mas cuja importância na narrativa se limita a ser a primeira vítima do Sequestrador. Esse desperdício de potencial reflete uma tendência maior do filme: apresentar ideias promissoras sem realmente explorá-las, deixando a sensação de que muito foi prometido e pouco foi cumprido.

Na última meia hora, o filme tenta redimir sua narrativa vagarosa com um clímax que concentra toda a ação e resolução. Mason Thames finalmente entrega a intensidade emocional que se esperava desde o início, enquanto Ethan Hawke, apesar de restrito por um roteiro pouco ousado, consegue deixar sua marca. Contudo, mesmo esse momento de apoteose não é suficiente para dissipar a impressão de que estamos diante de uma obra derivativa, que recicla fórmulas já exaustivamente exploradas no gênero.

Joe Hill, autor do conto que deu origem ao filme, enfrenta o desafio monumental de construir uma identidade própria enquanto escritor. Apesar de herdar a habilidade de criar atmosferas inquietantes, ainda carece do domínio narrativo que transformou seu pai em um ícone literário. “O Telefone Preto” não apenas reflete essa luta, mas também reforça a ideia de que talento é mais do que um legado genético — é um atributo que exige prática, inovação e uma visão clara do que se deseja transmitir.

“O Telefone Preto” é uma obra que se perde entre suas intenções e realizações. Embora conte com atuações sólidas e uma premissa intrigante, falta-lhe a profundidade e a ousadia necessárias para se destacar em um gênero que depende tanto da capacidade de surpreender. Para Joe Hill, talvez o maior aprendizado esteja em abandonar as sombras familiares e buscar caminhos narrativos que sejam verdadeiramente seus.

Filme: O Telefone Preto
Diretor: Scott Derrickson
Ano: 2021
Gênero: Mistério/Terror
Avaliaçao: 7/10 1 1
★★★★★★★★★★