Estudar temas desconhecidos ou distantes, sem preparo adequado, pode ser um terreno perigoso. A alteridade, quando representada sem conhecimento ou empatia, frequentemente degenera em autoritarismo, desrespeito e graves violações de direitos básicos, independentemente das fronteiras envolvidas. Conflitos armados, longe de serem apenas confrontos ideológicos, transformam-se em instrumentos de poder econômico, geopolítico e de afirmação diante da comunidade internacional. Nesse jogo perverso, a violência é romantizada e legitimada por narrativas que vão além da razão, transformando tragédias em um espetáculo que mascara interesses ocultos. Como alguém certa vez ironizou, “a guerra é divertida”. Porém, os desdobramentos dessa ironia são catástrofes de dimensões inenarráveis.
O thriller “Beirute” (2018), dirigido por Brad Anderson, aborda o eterno atrito entre os Estados Unidos e o Oriente Médio. A trama começa em 1972, numa Beirute que, embora longe do cosmopolitismo atual, serve de palco para uma política internacional marcada por desprezo e interesses escusos. Jon Hamm interpreta Mason Skiles, um diplomata americano que descreve a cidade como uma “pensão sem dono”, encapsulando as tensões da época. O roteiro de Tony Gilroy aposta numa abordagem que provoca: o menosprezo americano pela região é escancarado, mas há momentos que beiram uma autoironia calculada. A crítica fica entre a condenação e a reflexão, sem resolver de imediato a postura dos Estados Unidos frente à resistência cultural libanesa no período.
A narrativa avança uma década, para 1982, no auge da Guerra Civil Libanesa, exacerbada por mudanças demográficas e interferências externas de Israel, Síria e da OLP. Skiles, agora distante da diplomacia, é chamado de volta à ação em um contexto de alianças frágeis e interesses cruzados. O elo pessoal com Karim, um jovem que ele ajudou a criar, ganha contornos trágicos quando o menino cresce sob a sombra do terrorismo. Antigas lealdades e novos conflitos pessoais se misturam, colocando Skiles diante de escolhas impossíveis. O sequestro de Cal, outro diplomata americano, por Karim (agora militante), é o ponto central de um drama onde política e moralidade colidem.
No centro da ação, outros personagens reforçam a ambiguidade moral da história. Figuras dúbias como Donald (Dean Norris) e Frank (Larry Pine) tornam qualquer tentativa de resolução mais complicada, enquanto a agente da CIA Sandy Crowder (Rosamund Pike) surge como uma peça-chave na busca por soluções pragmáticas. A relação entre Skiles e Crowder, repleta de tensão e desconfiança, traduz bem o tom da obra, onde nenhuma decisão parece totalmente correta.
Como possível contraponto a “Munique” (2005), de Steven Spielberg, este filme também se alinha a obras contemporâneas que investigam a fragilidade do status quo frente à violência institucionalizada. Comparações com produções como “Reféns de Gladbeck” (2022) evidenciam que a tragédia, por vezes, encontra ecos em diferentes tempos e lugares. Em “Beirute”, a reconstrução de uma época turbulenta não só revisita o passado, mas também questiona os ciclos de violência que continuam a moldar o presente. Aqui, o tempo se torna uma constante subjetiva, onde o ontem e o hoje se encontram em uma espiral de conflitos e reflexões inacabadas.
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