Dizer que o coração tem razões que a própria razão desconhece para se referir ao romance entre uma jornalista workaholic muito confortável com a forma libertária como leva a vida e um sargento metódico do Exército americano é pouco mais que esgarçar um clichê já surrado. Por esse motivo, Denzel Washington lança mão de todos os recursos que pode a fim de tornar “Um Diário para Jordan” uma história apetecível para qualquer público, proeza que acaba alcançando graças a seu privilegiado talento de harmonizar enredos meio herméticos e atuações dedicadas.
A repórter e editora do “New York Times”, Dana Canedy, esperava um filho do noivo, o primeiro sargento Charles Monroe King (1958-2006), quando da eclosão da Guerra do Iraque (2003-2011). King foi convocado, e enquanto nutriam a esperança de um reencontro em breve, o militar enchia as páginas de um caderno íntimo com o que queria que o garoto soubesse a seu respeito, bem como instruções sobre a maneira de reagir a certos problemas, o que também passa pelo choro, por que não? Canedy, então repórter do “New York Times”, publica um artigo sobre essa experiência tão peculiar de amor — em 2001, a jornalista integrou a equipe que ganhou o Prêmio Pulitzer pela série de reportagens “How Race Is Lived in America”, a respeito das sempre conflagradas relações raciais nos Estados Unidos —, base de seu livro homônimo, do qual também saiu o roteiro de Virgil Williams.
Washington recorre a flashbacks para dispor os momentos centrais de seu filme, e começa mostrando Dana a perseguir uma matéria enquanto precisa convencer seu editor de que pode continuar sozinha, livrando-se assim de um colega impertinente, que indica que seu leite está molhando-lhe a camisa de seda. Seu filho tem um ano e ela ainda o amamenta, gancho de que o diretor se vale para contar o início do namoro, quando, em visita aos pais, Dana é surpreendida por um homem na sala de estar da casa onde ela cresceu. Charles penduraum quadro de sua autoria em que retratara o pai de Dana, militar de carreira como ele, e ainda que a moça tenha reservas justificadas quanto ao velho (também pelo fato de sua vida excessivamente regrada, mas não só), ela se encanta.
O diretor esmiúça as diferenças entre Dana e Charles ao passo que os coloca em longas conversas ao telefone, como se de rosto colado numa dança esquisita, e à medida que se aproximam, fica mais nítido que pertencem a universos paralelos, que esse relacionamento pode ser um erro irreparável. Assim mesmo, Dana resolve engravidar de Charles, e comunica sua decisão de Nova York para a Califórnia, onde ele está, num treinamento de recrutas. Ele diz que aceita, mas não sem antes oficializar a relação. Este é um casal muito idiossincrásico.
Assim que sabe que Jordan, o herdeiro, está a caminho, Charles começa com o tal diário. Washington mantém Chanté Adams e Michael B. Jordan em seus próprios planos, mas tomando o cuidado de destacar o afastamento físico, uma espécie de intruso a agourá-los. Quando da separação definitiva, Dana entrega os escritos de Charles ao garoto, que num gesto de maturidade bastante incomum, reúne parentes e amigos para uma homenagem no cemitério de Arlington, onde estão sepultados os heróis de guerra dos Estados Unidos, em Washington, DC. Depois de algumas sequências um tanto apagadas, nas quais revela-se um ator basicamente intuitivo, Jalon Christian prova que é um intérprete promissor numa trama sobre amor e morte. Mas também superação e vida.
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