A alma de cada homem é como um rio, em que correm mistérios de diferentes gradações. Os mais inofensivos, que remetem a segredos que todos ao seu redor já conhecem, se agrupam num bloco maciço e coeso, e flutuam na superfície, escondendo os segredos realmente dignos da curiosidade, da admiração e do escândalo das outras pessoas, que, naturalmente têm seus próprios monstros e tesouros a manter a salvo do apetite alheio. Vive bem no fundo de cada um de nós uma criatura feita a nossa imagem e semelhança, que quase não conhecemos e contra a qual podemos muito pouco, desafiando-nos com suas provocações — uma ideia que persiste em “Clube dos Vândalos”.
Enquanto jovens caipiras iam morrer em pântanos do sudeste asiático durante os vinte anos da Guerra do Vietnã (1955-1975), manifestações estudantis se projetavam dos câmpi de universidades de todo o mundo para o resto da sociedade e foram capazes de balançar e mesmo derrubar governos, que passaram a temer essa atmosfera de sublevação contra o estabelecido e essa busca incessante por liberdade. Nessa mesma época, no Meio-Oeste americano, cenário irretocável para as narrativas de desintegração moral, violência, tragédia, repleto desses personagens dotados de uma pretensa sabedoria cósmica, um grupo de motoqueiros ganhava fama.
Estamos todos à procura de nosso lugar no mundo, dando com a cara na porta e quebrando a cabeça até ou serem aceitos ou se persuadirem de que alguma coisa definitivamente não se encaixa e é mister continuar essa busca noutra parte. Frequentemente, chega-se a tal entendimento não sem muita dor e depois de um tempo impressionantemente longo, mas há as situações em que, mantidos o pesar e a angústia, o tempo colabora e, feito se fosse uma tormenta de dimensões sobrenaturais que cede como que por encanto ao cabo de horas e horas de terror, alguma solução começa a se desenhar no horizonte. Há muita coisa em nós mesmos com que não sabemos lidar e que desencadeiam uma tempestade de sentimentos controversos e destrutivos que inunda nossa vida.
Jeff Nichols entra de cabeça nas histórias impublicáveis reunidas em “The Bikeriders” (“os motoqueiros”, em tradução livre; 1967), o livro-reportagem do fotógrafo e cineasta Danny Lyon. O roteiro de Nichols e Lyon emerge da atmosfera brumosa de cigarro, fedendo a uísque vagabundo, e concentra-se nos oito de glória do Chicago Vandals, e suas figuras entre patéticas e heroicas. De 1965 a 1973, gente como Benny e Johnny mandaram um recado óbvio as autoridades: nossas vidas nos pertencem. Austin Butler e Tom Hardy encarnam essa urgência de viver, e o diretor não deixa escapar a natureza selvagem e criminosa dos dois e, claro, do próprio Chicago Vandals, que não tarda a despertar a preocupação até do mais libertário dos homens comuns. Medo que se repete meio século depois.
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