Abe Lucas encontra-se em uma encruzilhada perigosa, e Woody Allen, cineasta de talento inquestionável, sabe explorar como poucos os abismos da irracionalidade. Autor de obras como “Celebridades” (1998), “O Escorpião de Jade” (2001) e “Scoop – O Grande Furo” (2006), Allen domina a arte de criar personagens complexos, movidos por ambições contraditórias e capazes de oscilar entre a busca pelo sucesso e a ameaça de naufragar em suas próprias contradições.
Este talvez seja o filme em que Allen mais evidencia seu olhar crítico e provocativo, direcionando uma elegante, mas firme, análise à noção de justiça. Ecoando episódios de sua própria trajetória, frequentemente alvos de escândalos midiáticos, ele constrói um protagonista brilhante e atormentado, cujo caos interior reflete as nuances da existência humana.
O cenário de Newport, em Rhode Island, é um personagem à parte, especialmente com a fotografia de Darius Khondji, que captura o vibrante laranja do céu de outono e a sutileza do verde nas copas das árvores. Ao som do Ramsey Lewis Trio, a introdução de Abe, marcada por um solilóquio filosófico, ganha um tom levemente cômico e introspectivo.
Joaquin Phoenix dá vida ao protagonista de maneira visceral, revelando sua desconexão com o mundo através de pequenos gestos, como ajeitar os cabelos ou lançar olhares incertos. Abe chega à nova universidade cercado de expectativas, tratado quase como uma celebridade, mas permanece preso a uma apatia inquietante. Durante um coquetel de boas-vindas, entretanto, sua postura muda ao ouvir elogios sobre um de seus ensaios.
A dinâmica entre Abe e Jill Pollard, vivida por uma Emma Stone em plena forma, é o ponto de virada. Jill assume o papel de catalisadora que o arrasta para um território ainda mais instável. Allen, em sua direção precisa, apresenta um dilema moral que desafia as perspectivas tradicionais e redefine os limites entre herói e vilão, questionando verdades absolutas e trazendo desconforto aos que enxergam a vida de forma linear.
★★★★★★★★★★