É provável que Tony Soprano seja o primeiro mafioso de um drama sério a apresentar transtornos psicológicos. Este é o trunfo de David Chase, que conseguiu revolucionar a imagem dos gângsteres com uma das séries de televisão mais icônicas de todos os tempos: “The Sopranos”. Interpretado por James Gandolfini, Tony Soprano é o chefe da máfia ítalo-americana em Nova Jersey. Autoritário, rigoroso e impulsivo, ele frequentemente permite que suas emoções ditem suas ações. Isso significa que Tony é capaz de eliminar qualquer pessoa que entre em seu caminho. Contudo, ao contrário de outros líderes mafiosos retratados anteriormente, ele não é exatamente um exemplo de equilíbrio mental e frieza. Pelo contrário, o peso de suas decisões o empurra, repetidamente, para os limites de sua sanidade.
E é exatamente por isso que Tony é um sucesso absoluto. Ele é um ser humano imperfeito, como qualquer outro, que frequentemente perde o controle, deixando para trás o charme, a autoconfiança e, em alguns momentos, até mesmo sua dignidade. Não são raras as ocasiões em que ele se coloca em situações humilhantes, agindo como um garoto mimado, explodindo em acessos de raiva ou até desmaiando repentinamente. Essa vulnerabilidade o leva a buscar ajuda na terapia, onde a doutora Jennifer Melfi (Lorraine Bracco) se torna a confidente de seus dilemas, ouvindo histórias que misturam passado, presente e o medo constante do futuro.
Muitas das histórias do passado de Tony, mencionadas ao longo da série, ganham vida em “Os Muitos Santos de Newark”, o prelúdio cinematográfico de “The Sopranos”. No entanto, David Chase opta por pequenas alterações em relação ao que já foi narrado, não por descuido, mas para ilustrar como a memória humana pode ser falha e subjetiva. Assim, algumas cenas que apresentam os mesmos eventos são retratadas de maneiras diferentes: nem tudo aconteceu exatamente como Tony se lembrava, mesmo que ele acerte boa parte dos fatos.
Neste filme feito especialmente para os fãs da série, Chase, em parceria com o roteirista Lawrence Konner e o diretor Alan Taylor, explora a juventude de Tony. Ambientado na Newark das décadas de 1960 e 1970, o filme retrata uma cidade em transformação, marcada por conflitos raciais que também impactam a máfia italiana. Esses embates refletem um cenário em que os criminosos afro-americanos, antes subordinados à máfia para tarefas como venda de drogas e cobrança de dívidas, começam a se rebelar, buscando conquistar mais poder e independência. Esse contexto aprofunda as rivalidades no submundo do crime.
No centro da trama, Tony (Michael Gandolfini, filho de James Gandolfini) tem como figura paterna seu tio Dickie Moltisanti (Alessandro Nivola). Com o pai de Tony preso e sua mãe neurótica envolvida em um caso com o tio Junior (Corey Stoll), Dickie assume o papel de guia e modelo para o jovem. A história acompanha o amadurecimento de Tony enquanto sua família se desestrutura, e Dickie enfrenta crises tanto em sua vida pessoal quanto em seus negócios.
Dickie também mantém um caso extraconjugal com sua madrasta, a bela e jovem Giuseppina (Michela De Rossi), trazida da Itália por Hollywood Dick Moltisanti (Ray Liotta), o pai de Dickie. Paralelamente, ele lida com a traição de seu funcionário Harold McBrayer (Leslie Odom Jr.), que decide se rebelar contra a máfia italiana.
“Os Muitos Santos de Newark” não é um filme feito para aqueles que nunca assistiram à série. Para esses espectadores, a narrativa pode parecer desconexa ou sem grande apelo. Entretanto, para os fãs de “The Sopranos”, é uma jornada nostálgica, um prelúdio aguardado e uma oportunidade de reviver a atmosfera única criada por David Chase. O filme funciona como um tributo para os aficionados que ainda sentem a ausência da série, oferecendo um olhar mais profundo sobre a origem de um dos personagens mais marcantes da televisão.
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