A obsessão pelo fim do mundo rompe barreiras e ganha novos territórios, como mostra o impacto de “Apocalipse Z: O Princípio do Fim” no Festival de Sitges, dedicado a produções de terror e fantasia. A adaptação de Carles Torrens do best-seller de Manel Loureiro, de 2007, evoca paralelos com “The Walking Dead” (2010-2022), mas se diferencia ao saber equilibrar a ação frenética com reflexões sobre os impactos sociais e emocionais do apocalipse.
Torrens, expoente do cinema espanhol contemporâneo, subverte convenções do gênero ao explorar o conceito de um abrupto e inevitável colapso da humanidade, influenciado pela pandemia de covid-19. O roteiro, escrito por Loureiro e Ángel Agudo, investe na finitude e no peso das perdas, mostrando como traumas podem moldar os que sobrevivem. Essa abordagem cria um retrato íntimo das escolhas que definem quem supera os próprios demônios e quem sucumbe a eles.
Manel, o protagonista, vivia uma rotina comum, ainda que sua relação com Julia estivesse fragilizada por discordâncias sobre ter filhos. A tragédia atinge o casal quando um caminhão causa um acidente fatal, tirando a vida de Julia e mergulhando Manel num luto impenetrável. Nem a companhia de seu sobrinho ou de Lúculo, o gato com nome de um general romano, consegue aliviar sua dor. A partir daí, o surto de um vírus mortal gera pânico, violência e isolamento social.
No caos que se segue, Manel cruza o caminho de Gabriela, uma idosa abandonada pelos filhos. A interação entre os dois revela o talento de Francisco Ortiz, que dá vida ao protagonista, explorando as complexidades emocionais de um homem perdido, mas ainda capaz de atos de compaixão. O encontro com Belén, sua irmã, leva Manel a buscar refúgio nas Canárias, mas nem lá ele encontra paz. A tensão cresce enquanto o roteiro entrelaça a jornada pessoal com o cenário apocalíptico.
Embora algumas passagens resvalem no sentimentalismo, especialmente no desfecho, o filme consegue emocionar até quem não é fã do gênero. É impossível não refletir sobre os dilemas vividos por Manel e sobre o próprio destino diante de uma crise global. Mesmo sendo acusado de recorrer a fórmulas previsíveis, o longa diverte e provoca questionamentos, demonstrando por que o blog que deu origem à história alcançou sucesso tão significativo.
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