Mulheres sonhadoras e solitárias habitam o mundo das histórias ficcionais e as da vida como ela é desde o princípio dos tempos. Uma garota criada para passar o resto de seus dias numa fazenda no interior do Texas depara-se com o vazio de sua condição ao entender que nunca será capaz de tornar-se a estrela que acha que é, e então seu mundo desaba. Estes são os primeiros movimentos de “Pearl”, a mistura certeira de comédia macabra, escatologia e drama que resulta num terror abrangente, dinâmico, cheio das ótimas cenas que instigam emoções nada óbvias. “Pearl” é o segundo longa da trilogia de terror de Ti West, começada por “X: A Marca da Morte” (2022) e concluída por “MaXXXine” (2024). Aqui, a personagem-título parece encerrada numa sala de espelhos, batendo-se com as imagens fidedignas ou deturpadas de si mesma até que não suporta mais encarar sua pequenez e alimenta seus monstros.
Numa das primeiras sequências, Pearl é tirada da cama a custo pela mãe e vai dar conta de seus afazeres no celeiro, aproveitando para ensaiar números de dança para os animais. Quando acaba, traspassa um ganso com um forcado e o leva para a melhor amiga, Theda, uma fêmea de jacaré, batizada assim em homenagem a Theda Bara (1885-1955) e devidamente mencionada nos créditos de abertura. É 1918, e a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) dá sinais de cansaço, mas a rotina naquele fim de mundo continuará sempre igual, Pearl conclui acertadamente, escondendo sua agonia atrás de duas fileiras de dentes brilhantes e olhos profundos de que brotam lágrimas quase furtivas, que se avolumam não muito mais tarde. West contrabalança a aridez dos espíritos humanos com a exuberância da natureza, dispondo da fotografia em Technicolor de Eliot Rockett.
O diretor oferece à audiência pistas acerca da metamorfose de Pearl numa das a assassinas em série mais faladas do cinema recente. Num dos momentos em que melhor consegue expressar a revolta silenciosa e destrutiva da personagem, West a coloca diante da cunhada, Mitsy, de Emma Jenkins-Purro, para quem revela o quão abominável se sente por não amar Howard, o marido, interpretado por Alistair Sewell. Não que justifique, mas a filha de Ruth, a carola perversa vivida pela excelente Tandi Wright, e do homem inválido e mudo feito por Matthew Sunderland, descobre nesse pântano moral uma substância indefinida, mas poderosa, que o roteiro, assinado por West e Mia Goth aprimora no longa de 2024. Pearl é só uma menina triste. Mas não mexa com ela.
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