Produzido por Denzel Washington e dirigido por Malcolm Washington, seu filho, “Piano de Família” emerge como um thriller dramático impregnado de simbologia e profundidade emocional. Baseado na aclamada peça “A Lição de Piano”, de August Wilson, renomado dramaturgo por trás de obras como “Fences: Um Limite Entre Nós” e “A Voz Suprema do Blues”, o filme explora temas universais de ancestralidade, identidade, memória e a luta para superar os traumas do passado.
No centro da narrativa está um piano ancestral, legado às mãos dos irmãos Berniece (Charity Jordan) e Boy Willie (John David Washington). Esse objeto não é apenas uma herança, mas um símbolo carregado de histórias e dores. Berniece vê no piano um relicário espiritual que conecta a família aos seus ancestrais e acredita que ele guarda o poder de evocar os mortos. Em contrapartida, Boy Willie deseja vendê-lo para adquirir terras que outrora pertenciam ao senhor de escravos que subjugou sua família, enxergando nisso uma forma de redenção e revanche contra a opressão histórica.
Essa disputa intensa entre os irmãos é mediada por Doaker (Samuel L. Jackson), que decide compartilhar a dolorosa história do piano. Ele revela que o instrumento pertenceu à família Nolander, proprietária de terras na Geórgia. Quando Robert Sutter, o senhor de escravos, desejou presentear sua esposa Ophelia, ele ofereceu dois escravos — uma mulher adulta e uma criança — em troca do piano. Os escolhidos foram Mama Berniece, ainda jovem, e o filho de nove anos, que mais tarde se tornaria o pai de Doaker. Apesar do arrependimento de Sutter e sua tentativa de reverter a transação, os Nolander recusaram.
Consumida pela saudade dos escravos perdidos, Ophelia adoeceu. Sutter, então, ordenou que Willie Boy, um carpinteiro habilidoso, esculpisse as imagens de Mama Berniece e seu filho no piano como forma de consolo para a esposa. Contudo, Willie Boy decidiu ir além, entalhando também outras figuras de sua família, como sua mãe, Mama Esther, e seu pai, Boy Charles, além de eventos marcantes de suas vidas, incluindo seu casamento com Mama Berniece. Anos mais tarde, Boy Charles, pai de Berniece e Boy Willie, roubou o piano da casa de Sutter como um ato de resistência. Entretanto, ele foi morto enquanto fugia, deixando o piano como um legado às gerações futuras.
O instrumento, que carrega as marcas literais e figurativas da história da família, permanece fechado e intocado. Berniece, embora acredite em sua importância como um testemunho da memória coletiva, também teme o peso emocional e espiritual que ele representa. A trama culmina em um momento de intensa carga dramática, quando Berniece é compelida a tocar o piano, invocando os espíritos de seus ancestrais. Essa cena, carregada de significado, marca a aceitação de sua história e a reconciliação com seu passado, transformando dor em força e união familiar.
Sob a direção de Malcolm Washington, o filme transcende a mera adaptação teatral, entregando uma obra cinematográfica repleta de misticismo, tensão e uma reverência tocante à memória ancestral. O elenco, liderado por atuações intensas de Charity Jordan, John David Washington e Samuel L. Jackson, confere profundidade e verdade aos conflitos e dilemas apresentados. “Piano de Família” não apenas conta uma história; ele desafia o espectador a refletir sobre o peso de nossa herança, o significado da memória e o poder da cura através do reconhecimento do passado.
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