A legislação é um organismo vivo, em constante transformação para equilibrar direitos e deveres em prol da convivência civilizada. A Constituição, como pacto social, estabelece a base para garantir direitos fundamentais, como o de existir e de possuir bens. No entanto, por mais que as leis busquem a equidade, seu funcionamento está longe de ser infalível. Sobram exemplos em que a justiça falha, seja ao absolver criminosos calculistas, seja ao punir desproporcionalmente pessoas marginalizadas, cujas ações são fruto de um sistema que as abandonou.
“Código de Conduta”, dirigido por F. Gary Gray e escrito por Kurt Wimmer, mergulha nessa tensão. O suspense, lançado em 2009 e disponível na Netflix, narra a saga de Clyde Shelton (Gerard Butler), um engenheiro que vê sua vida desmoronar quando dois criminosos invadem sua casa, matando brutalmente sua esposa e filha. Mesmo como testemunha ocular do crime, Clyde assiste impotente à justiça falhar: um acordo judicial entre o promotor Nick Rice (Jamie Foxx) e um dos assassinos permite que os culpados recebam sentenças brandas, deixando a dor do protagonista eclipsada pela frieza do sistema.
Essa traição da justiça transforma Clyde em algo mais que um homem ferido. Ele se torna o arquétipo do justiceiro implacável, disposto a expor as fragilidades do sistema por meio de atos calculados de vingança. Sua primeira ação é matar, de forma brutal e premeditada, os dois responsáveis pela tragédia. As mortes, ocorridas em um de seus imóveis industriais, não são ocultadas. Pelo contrário, Clyde as assume com frieza, desafiando diretamente as autoridades.
Preso, Clyde transforma a cela em seu quartel-general, manipulando o promotor Rice com promessas de informações sobre atentados iminentes. No início, suas exigências são vistas como blefes, mas a escalada de violência orquestrada pelo engenheiro desmonta qualquer subestimação. Autoridades sucumbem uma a uma, vítimas de um plano tão engenhoso quanto implacável, enquanto Clyde permanece vários passos à frente, conduzindo um jogo mortal com objetivos claros: justiça para sua família e a exposição das lacunas que tornaram seu sofrimento possível.
A evolução de Clyde, de uma vítima impotente a um sociopata metódico, é um dos pilares que sustenta o filme. Sua transformação não é impulsiva; é fruto de um trauma profundo, aliado a uma inteligência fria e precisa. Ele não busca apenas saciar sua sede de vingança, mas também expor as contradições de um sistema que deveria proteger, mas frequentemente falha. Em sua jornada, Clyde obriga o espectador a questionar as fronteiras entre justiça e vingança, incitando reflexões complexas e desconfortáveis.
Com atuações robustas de Butler e Foxx, o longa se beneficia ainda da presença magnética de Viola Davis em um papel coadjuvante de peso. O filme é mais que um thriller envolvente; é um estudo sobre moralidade, trauma e as repercussões de um sistema que, ao falhar, pode transformar vítimas em algozes. No campo cinzento onde a lei encontra a ética, “Código de Conduta” não oferece respostas fáceis, mas deixa um impacto duradouro, levando o público a confrontar suas próprias percepções sobre justiça e punição.
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