Martin Heidegger (1889-1976), um dos pensadores mais completos — e complexos — da história, defendia a necessidade do recomeço como um dos eixos da vida do ser humano. Entre outros pontos, é fulcral no pensamento de Heidegger a valorização das muitas descobertas que o homem faz no decorrer de uma jornada que sempre lhe parece demasiado curta (e o é mesmo), mas que decerto vai ganhando cor, um viço inesperado. Existem pessoas que atravessam a sua jornada sentindo as dores do crescimento, fenômeno que, por curioso que pareça, tem mesmo um fundo científico, mas que deveria restringir-se à fisiologia, e só até a cessação da puberdade.
Às vezes é necessário ir para muito longe a fim de se sentir em casa. Essa é uma das conclusões a que se chega ao final de “O Lobo e o Leão”, um conto sobre autoconhecimento em que o diretor Gilles de Maistre amalgama dilemas existenciais, solidão e morte à urgência que a vida de tem acontecer, não importa quão hostil o cenário seja. A história real de um canino e um felino que aprendem a conviver tutelados por uma garota de Nova York que acaba de perder o avô, uma espécie de xamã de um bosque canadense, e viaja para participar de seu funeral, emana uma poesia agridoce, bem ao gosto do público-alvo.
Estamos todos à procura de nosso lugar no mundo, a maioria com todos os atravancos, dando com a cara na porta e quebrando a cabeça até ou serem aceitos ou se persuadirem de que alguma coisa definitivamente não se encaixa e é mister continuar essa busca noutra parte. Frequentemente, chega-se a tal entendimento não sem muita dor e depois de um tempo impressionantemente longo, mas há as situações em que, mantidos o pesar e a angústia, o tempo colabora e, feito se fosse uma tormenta de dimensões sobrenaturais que cede como que por encanto ao cabo de horas e horas de terror, alguma solução começa a se desenhar no horizonte.
Exercitando uma confiança na vida que beira o desespero, o homem se deixa guiar por esses sinais, convicto de que os dias de busca e de dúvida estão em seus estertores e, então, merecidamente, virá não o final feliz dos contos de fadas, mas um recomeço, árduo, como todo recomeço, mas igualmente cheio de possibilidades. E malgrado a prudência recomende poupar a alegria e não cantar vitória antes de tudo muito bem amarrado, o peito se enche daquele sentimento sem nome, mas que qualquer um é capaz de identificar tão logo o sinta, e a vontade de se dizer feliz é simplesmente incontrolável.
Mozart e Dreamer, o lobo e o leão do título, continuam os reis da pequena selva onde se passa o filme, mas Alma, a estudante de piano clássico que torna-se sua mãe, também tem sua porção de majestade. O diretor e seus corroteiristas Prune de Maistre e Richard Sadler explicam em que circunstâncias Dreamer chega ao extremo da América do Norte, e Molly Kunz encarrega-se de seduzir o público com sua personagem, muito parecida à de uma princesa da Disney. E o mais impressionante: Mozart e Dreamer existem mesmo, não são fruto de abusos da computação gráfica de produções congêneres. Só por isso “O Lobo e o Leão” já vale a pena.
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