“Olá, damas e cavalheiros! Eu sou o animador desta noite!” A despeito do começo eletrizante, com as precisas cenas de tensão durante um assalto a banco, parece que só depois que essa frase é dita pelo personagem principal é que começa “Batman: O Cavaleiro das Trevas” (2008), de Christopher Nolan. Lamentavelmente, “Coringa: Delírio a Dois” não tem o mesmo destino e não engrena nunca, malgrado o propósito de Todd Phillips seja louvável. Na mais recente incursão pelo rico universo de um dos antagonistas mais sedutores e incômodos da cultura pop, o diretor investe-se da missão de lembrar-nos de que existe um homem por trás da maquiagem e do sorriso forçado e estulto, porém erra a mão — muita gente também pensa isso a respeito de seu “Coringa” de 2019, mormente quanto ao final desabridamente escatológico, o que a mim sempre me pareceu um chiliquezinho puritano. Agora, entretanto, não há pílula que doure o fracasso desta versão pretensiosa e enfadonha, sem quase nada do vilão criado pelas mãos caprichosas de Bob Kane (1915-1998), Leslie H. Martinson (1915-2016) e Bill Finger (1914-1974).
“Delírio a Dois” poderia chamar-se simplesmente “Arthur Fleck”. Nesta história quase não há Coringa; o que pode haver é um resto do palhaço diabólico que costumava atormentar Gotham City, acuado, arredio, preso em Arkham, como um criminoso inimputável qualquer. Fleck é quem toma seu lugar, sublinhando e em alguma medida esclarecendo a perene loucura de seu alter ego, sem margem para considerações românticas, ainda que haja, sim, lirismo na forma como Phillips e o corroteirista Scott Silver elaboram a desordem mental do protagonista.
Mesmo detido, Fleck imagina-se num eterno musical, intercalando canções e piadas, com as quais deleita os carcereiros. Certo, ele nem sempre está no clima, e justamente esses são os momentos capazes de refrescar a memória do espectador no que toca ao temperamento bipolar do vilão. Fleck começa a se sentir-se mais à vontade em sua pele quando é autorizado a frequentar as aulas de canto ministradas como parte do processo terapêutico, ocasião em que conhece uma certa Lee Quinzel.
Joaquin Phoenix é capaz de reinventar-se a cada nova trabalho, ainda que não se vislumbre nele qualquer coisa de fundamentalmente renovador, a exemplo do milagre que encarnara com o Coringa de há cinco anos, e suas já mencionadas pretensas explicações para a vilania do Palhaço do Crime. Lady Gaga, por seu turno, não acrescenta nada ao que poder-se-ia esperar de um longa que se autoproclama musical, e seu desempenho irregular nem arranha seu vigor artístico em produções como a releitura de Bradley Cooper para “Nasce Uma Estrela” (2018). “Coringa: Delírio a Dois” é mesmo uma insanidade.
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