A infância é o cenário ideal para abordar as transformações que a vida nos reserva. Em uma narrativa habilidosa, Rob Reiner conduz o público por uma jornada sensível e inquietante através das primeiras experiências de quatro garotos. Essa travessia, marcada por momentos de serenidade e tensão, evita soluções simplistas, recusando-se a adornar excessivamente o ordinário ou o encantador. Reiner desafia o espectador ao explorar personagens que nos parecem familiares desde sempre, ainda que inicialmente suas figuras estejam encobertas por um véu de incerteza. Aos poucos, porém, essas imagens ganham nitidez, permitindo uma identificação espontânea e profunda, só possível quando nos despimos de medos acumulados, libertando o coração para abraçar a leveza e o desconhecido.
Baseado no conto “O Corpo”, de Stephen King, publicado em “Quatro Estações” (1982), o roteiro de Bruce A. Evans e Raynold Gideon preserva a essência do suspense característico do autor, mas de forma contida e pontual. A narrativa de Reiner opta pela fluidez, entrelaçando organicamente episódios paralelos, como as histórias inventivas e emocionadas dos jovens protagonistas. O filme inicia-se com um flashback que revela a morte de Christopher Chambers, personagem de River Phoenix, esfaqueado ao apartar uma briga. O impacto dessa tragédia se dilui pelo tratamento cuidadoso da violência, que é habilmente conectada ao cerne da história. Enquanto isso, Gordie Lachance, interpretado por Wil Wheaton, emerge como narrador e protagonista. Representando um alter ego de King, Gordie é um menino introspectivo e talentoso, lidando com a rejeição paterna e o luto pelo irmão, enquanto busca refúgio na criatividade.
Durante o verão de 1959, Gordie e seus amigos partem em busca do corpo de Ray Brower, um jovem desaparecido, embarcando em uma aventura que ecoa as angústias e os ritos de passagem da adolescência. A icônica cena nos trilhos do rio Willamette expõe a tênue linha entre a vida e a morte, intensificando a conexão dos garotos com suas próprias fragilidades e coragem. Chris, Gordie, Vern e Teddy enfrentam seus medos e fortalecem laços de amizade, enquanto o filme reflete sobre a jornada humana simbolizada pelos trilhos e a inevitável confrontação com a finitude. A conclusão, entretanto, revela não apenas o destino de Brower, mas também os sentimentos profundos de Gordie em relação à família e ao irmão perdido.
Mais do que um relato de amadurecimento, a obra aborda a complexidade das transformações que nos moldam, marcadas por perdas e descobertas. Somos todos, em algum momento, Gordie Lachance, até que algo em nós desperte, como um grito abafado de King vindo do porão. Nesse instante, enfrentamos a dor e a inevitabilidade do crescimento, um passo irreversível rumo à maturidade.
★★★★★★★★★★