Criminosos exercem um fascínio sobre pobres mortais que vivem de acordo com suas posses, não têm ninguém que se compadeça de seus dramas íntimos e, não raro, arrastam-se de um para outro hospital, procuram colocação à porta de empresas, em filas que avançam da calçada para a rua, incapazes de perceber o absurdo que reside no fundo da questão. Por outro lado, desde o princípio dos tempos, a humanidade declara sua agonia quanto a encontrar entre homens comuns aqueles que emulem uma divindade impossível e flutuem sobre o banal que coroa os demais, saiam do ordinário do mundo como ele se nos revela e extrapolem sua humana condição, revestindo-se de uma mística sobrenatural qualquer, que façam-na transitar com desembaraço pelo plano turvo da utopia.
Num abraço insano, Yuval Adler junta dois representantes de cada um dessas categorias em “Ligação Sombria”, uma narrativa fadigosa durante a qual o diretor tenta fazer-nos comprar uma alegoria barata sobre a perdição que é viver. No bem-intencionado roteiro de Luke Paradise ninguém tem um nome, o que não seria problema se este thriller frenético não esticasse tanto a corda e remoesse a mesma ideia por hora e meia com cenas parecidíssimas entre si.
Aqui, Nicolas Cage livra-se da aura de bom-mocismo muito bem dosado com a violência que aquele semblante doce esconde tão bem, uma marca ao longo de quatro décadas de carreira, incorporando somente seu lado diabólico — e isso não é nenhuma metáfora. As luzes feéricas de um parque de diversões não são o bastante para atrair a atenção do público, que suplica por entender o que afinal deseja o passageiro que entra no carro de um motorista deixando o estacionamento de uma insossa maternidade em Las Vegas.
A esposa do homem acabara de vencer um parto difícil, e agora ele é forçado a dar carona a um lunático com cabelo acaju profundo, um cavanhaque medonho e um revólver de aço escovado, sabe Deus para onde. O bandido queria ser 100% sexy, mas o outro permite que ele chegue, no máximo, aos 50%, é esse o balanço que o maníaco faz a respeito de sua fanfarronada. O motorista atende um telefonema da puérpera. O doidivanas pergunta sobre a vida conjugal dos dois. O bandido nunca se comove.
Uma viatura da polícia vai atrás deles. Adler esmera-se por reoxigenar clichês como levar o vilão e o mocinho para um café de beira de estrada, onde, surpresa!, o agressor tem uma arma sob a mesa apontando para o abdômen do motorista, pretendendo matar também o caminhoneiro no balcão e a garçonete. Cage apresenta um desempenho irregular, sendo quase nada persuasivo quanto à personalidade atormentada de seu antagonista, que o diretor quer que a plateia veja como o próprio Lúcifer. Joel Kinnaman tem mais sorte nesse pastiche tarantinesco acerca das semelhanças entre o existir e o inferno. O diabo mora mesmo nos detalhes.
★★★★★★★★★★