Amar é um verbo que não se conjuga sozinho. Quem ama inevitavelmente reparte o seu amor pela vida afora e coração adentro. Não tem jeito. Aquele que ama derrama. Uns mais, outros menos. Uns amam em linha reta, outros de um jeito torto. Por mais que as pessoas falem sobre esse sentimento, sobre o que é o amor, sobre saber amar, afinal de contas como dimensionar o amor e como definir o ato de amar? Eu, por exemplo, vejo o amor como um delicioso bolo de chocolate com cobertura de brigadeiro, que a gente não se contenta em comer só, e por isso divide com quem ama. Às vezes o bolo esfria. Endurece. Azeda. Acaba. Então nós fazemos outro, ou por sorte alguém toca a campainha com um novo bolo, quentinho e cheiroso.
Amamos algumas pessoas, os animais, as plantas, os dias ensolarados, a vida no campo, o cheiro de terra molhada. Amamos os Beatles, andar de bicicleta, ganhar flores, cinema com pipoca, vinho com as amigas. Amamos pão quentinho, dormir debaixo das cobertas enquanto a chuva bate na janela, terminar um livro, beijo de bom-dia. Acontece que, ainda que amemos os animais, nós odiamos os insetos. Os dias de calor incomodam. A vida no campo é linda nos três primeiros dias; depois disso, a abstinência do mundo virtual e a paz em excesso revogam toda e qualquer harmonia. Amamos os Beatles, só que escutamos muito mais os Stones. Ganhar flores de alguém de quem não gostamos nem é tão bom assim. Pão quente é uma delícia, mas comemos com culpa porque a dieta não permite. E essa chuva que não para há dias? Não me venha dar bom-dia porque estou de TPM.
É estranho dizer que amamos, quando o nosso amor é variável. Hoje, morremos de amor. Amanhã estaremos ocupados com outras coisas e outras tarefas, interessados em outros assuntos e — por que não? — em outros bolos. Na semana seguinte voltaremos a amar com a intensidade quase perdida. Nós somos humanos. Claro que temos o direito de variar as escalas de amor e, ainda assim, continuar amando. Só que essas nuances apenas são permitidas e aceitas quando partem de nós. O outro não pode nos amar menos nem por um segundo. Ai dele se estiver cansado, se preferir sair com os amigos, se for visitar a família em outra cidade.
Queremos que nos amem do jeito que nós amamos, como se a nossa maneira de amar fosse a certa e a única. A forma como as outras pessoas demonstram o seu amor nos parece quase sempre insuficiente, deficiente, insatisfatória. Não basta sentir que somos amados. É preciso mudar um outro ser para que ele fique à nossa imagem e semelhança. Ele deve falar como nós falamos, gostar do que nós gostamos, fazer o que nós fazemos, e por fim, nos tratar exatamente como nós o tratamos.
Ora bolas, isso não é amor. É possessão. É dominação. É cárcere. Quando nós desejamos mudar alguém é porque não amamos esse que já existe. Amor nenhum sobrevive à imposição. Mas se eu te disser “defina o amor em apenas uma palavra”, qual seria?
Amar é a forma mais sublime de aceitação. Portanto, amar é aceitar. Amar é deixar uma pessoa existir como ela é, seja do jeito que for. Quem ama não necessariamente gosta de tudo em alguém. Aliás, é mais provável que odeie boa parte do que ela faz, e ainda assim continue amando. Amar é respeitar a opinião alheia e entender que cada pessoa é um indivíduo pensante, com seus gostos, preferências e manias. Quem ama aceita, inclusive os defeitos e as fraquezas. O amor é resiliente.
Resumindo: quem ama não come o bolo de cenoura querendo que fosse bolo de chocolate. Bolo de cenoura nunca será bolo de chocolate, e vice-versa. Apenas aceite o seu pedaço de bolo, seja ele qual for. E coma enquanto há tempo.