Oriol Paulo consolidou-se como um dos grandes nomes do cinema espanhol contemporâneo, destacando-se por sua habilidade em criar narrativas complexas e cativantes. Nos últimos anos, sua carreira tem sido marcada por produções intensas, tanto no cinema quanto na televisão, com títulos como “O Corpo”, “Durante a Tormenta” e “Um Contratempo”. Sua série “O Inocente” e o recente longa “As Linhas Tortas de Deus”, inspirado no livro homônimo de Torcuato Luca de Tena, reafirmam seu talento. O romance, publicado em 1979, nasceu de uma experiência inusitada do autor, que se internou voluntariamente em um hospital psiquiátrico para explorar a realidade dessas instituições, muitas vezes marcadas por abusos, uma prática infelizmente recorrente em diversas partes do mundo, incluindo o Brasil.
A trama acompanha Alice, uma detetive particular que, para investigar uma morte em uma instituição psiquiátrica, elabora um plano ousado: finge ter transtornos mentais e se interna no local. Contudo, o que deveria ser uma missão controlada rapidamente se transforma em uma jornada angustiante, marcada por reviravoltas. Alice relata ter orquestrado sua internação junto ao pai da vítima, mas sua versão dos fatos é constantemente questionada pelos médicos. À medida que tenta desvendar os segredos do hospital, sua credibilidade é minada, e a protagonista enfrenta a opressiva realidade de um lugar que desafia sua sanidade e autonomia.
Dentro do hospital, Alice encontra aliados improváveis entre médicos e pacientes, mas sua situação se torna cada vez mais precária. O diretor da instituição, interessado em mantê-la confinada, e seu marido, que desapareceu após esvaziar suas contas, complicam ainda mais o cenário. O espectador se vê mergulhado em um jogo psicológico denso, questionando a confiabilidade da protagonista. Ora racional e articulada, ora envolta em suspeitas, Alice desafia a percepção de realidade enquanto enfrenta acusações e evidências contraditórias que deixam até os mais atentos inseguros sobre a verdade.
A narrativa evoca metáforas de “Alice no País das Maravilhas”, explorando paranoia, manipulação e a tênue linha entre lucidez e delírio. A performance de Bárbara Lennie é um destaque à parte, premiada com o Goya, ela conduz o público por uma montanha-russa de emoções, onde cada revelação parece contradizer a anterior. O roteiro manipula habilmente as expectativas, apresentando versões conflitantes que deixam tanto a protagonista quanto o público em constante estado de dúvida. Os diálogos finais, intensos e enigmáticos, desafiam o entendimento, deixando perguntas sem resposta e obrigando o espectador a reconsiderar tudo o que assistiu.
Oriol Paulo comprova mais uma vez sua maestria em tecer enredos intricados e enganosos, jogando com a mente do público de forma brilhante. A dúvida permanece até o último instante: Alice é vítima de uma conspiração cruel ou está mergulhada em suas próprias ilusões? A ausência de respostas definitivas, longe de ser um ponto fraco, intensifica a experiência, exigindo do espectador reflexão e atenção aos detalhes. Se você procura um filme que desafie sua percepção e deixe resquícios de inquietação, “As Linhas Tortas de Deus” é, sem dúvida, uma escolha inesquecível.
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