A Segunda Guerra Mundial é um poço sem fundo de relatos dramáticos e inacreditáveis. Guy Ritchie, conhecido por sua abordagem irreverente e estilizada, revisita esse período histórico com “Guerra sem Regras”, uma história baseada em fatos reais, mas com uma roupagem que desafia a cronologia e os limites do gênero. O roteiro, coassinado por Arash Amel, Eric Johnson e Paul Tamasy, encontra inspiração em “Churchill’s Secret Warriors”, de Damien Lewis, e “The Ministry of Ungentlemanly Warfare”, de Giles Milton, capturando o espírito de ousadia das Forças Especiais britânicas.
Para embarcar nessa história sem tropeçar em incoerências, o público precisa deixar de lado a rigidez cronológica. A trama se passa em janeiro de 1942, logo após o ataque a Pearl Harbor — embora Churchill, vivido por Rory Kinnear, reclame a entrada dos Estados Unidos em combate como se o ataque ainda estivesse por vir. Esse deslize histórico não é mero acaso, mas uma licença criativa que coloca a narrativa no ritmo acelerado e caótico característico de Ritchie.
A ação começa com Churchill despachando um grupo seleto de soldados de elite para uma missão arriscada. Gus March-Phillips, interpretado com firmeza por Henry Cavill, lidera uma equipe composta por Freddy Alvarez (Henry Golding), perito em explosivos; o sueco Anders Lassen (Alan Ritchson), mestre em combate corpo a corpo; e Geoffrey Appleyard (Alex Pettyfer), um especialista em infiltrações. Juntos, eles devem interceptar um navio alemão em Fernando Pó (atual Bioko), na costa da Nigéria. Para garantir o sucesso da operação, juntam-se a eles Marjorie Stewart, uma espiã judia determinada (Eiza Gonzalez), e Richard Heron, um nigeriano com habilidades camaleônicas (Babs Olusanmokun).
É uma narrativa que não se leva a sério demais — e isso é seu ponto forte. Ritchie conduz o filme com seu estilo inconfundível, alternando entre momentos de violência estilizada e diálogos afiados que desafiam o clichê do gênero. A competição entre os protagonistas para roubar a cena é palpável, com Cavill, Gonzalez e Olusanmokun sustentando performances magnéticas.
Quando a história parece flertar perigosamente com “Bastardos Inglórios”, de Tarantino, ou com o clássico “Os Doze Condenados”, Ritchie puxa o tapete sob os pés do espectador. Uma das sequências mais inusitadas coloca Stewart e um general nazista, vivido com brilhantismo por Til Schweiger, cantando “The Threepenny Opera” de Brecht e Weill — uma referência ácida à decadência do Terceiro Reich.
“Guerra sem Regras” é, acima de tudo, um entretenimento anárquico que exalta os heróis — sem esquecer de ridicularizar os vilões. Para quem aceita o pacto com a irreverência de Ritchie, a experiência é um deleite: uma visão estilizada da guerra, onde os mocinhos brilham e os nazistas se desintegram sob o peso de sua própria podridão.
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