O terceiro filme mais aplaudido da história é da Netflix: 14 minutos de aplausos no Festival de Veneza em 2022 Divulgação / Netflix

O terceiro filme mais aplaudido da história é da Netflix: 14 minutos de aplausos no Festival de Veneza em 2022

Ninguém pode possuir tudo. Desde os primórdios da existência humana, quando começamos a compreender o que significa ser gente, a noção de que cada desejo demanda um sacrifício se torna inescapável. Algumas renúncias são leves, outras pesam como chumbo. Os sacrifícios que a vida impõe raramente trazem prazer; contudo, a memória da dor se dissolve à medida que o gosto da conquista se manifesta, discreto e gradual. Inconscientemente, repetimos o ritual, uma, duas, inúmeras vezes, até que o que era doce se torna um veneno que vicia e corrói. As ilusões do mundo nunca preenchem por completo os vazios humanos; pelo contrário, elas acendem um fogo destrutivo que consome a alma desde o alvorecer da humanidade, uma chama que arde até o fim dos tempos. Mesmo na eternidade, o peso das escolhas terrenas permanece, como uma pintura renascentista onde o sofrimento e o arrependimento são eternos.

Andrew Dominik, cineasta neozelandês, propõe em “Blonde” (2022) uma abordagem grandiosa — e talvez antigrandiosa — para contar a história de Marilyn Monroe (1926-1962), uma das figuras mais discutidas e controversas da história. O filme, inspirado no romance homônimo de Joyce Carol Oates, não é uma biografia linear; é uma viagem por uma vida onde a glória se mistura com a agonia. Dominik manipula o tempo de forma magistral, conduzindo o espectador por cenários que transitam entre a fantasia idealizada e a dura realidade da mulher que habitava por trás da estrela.

A fotografia de Chayse Irvin é um dos pilares desse retrato visualmente marcante. Em cenas onde Marilyn se apresenta ao mundo, a paleta de cores vibra em tons exuberantes; já nos momentos em que Norma Jeane — a verdadeira identidade por trás do mito — enfrenta seus fantasmas, o preto-e-branco domina, evocando uma Los Angeles que parece sempre hostil.

Em meio a esse banquete cinematográfico, Ana de Armas é a alma de “Blonde”. A atriz cubana entrega uma interpretação que beira a perfeição, capturando tanto a luz quanto as sombras de Marilyn. De Armas é uma das poucas a se aproximar da verdadeira essência da estrela: um coração em chamas aprisionado em um corpo frio pela negligência e pelo abandono. Sua caracterização impressiona — os olhos castanhos, os cabelos, os vestidos que realçam as curvas generosas, tudo evoca com precisão a Marilyn de outrora.

O filme, contudo, não se exime de clichês. Os escândalos sexuais são revisitados, desde o affair com John Kennedy (1917-1963) até as orgias com Charles “Cass” Chaplin Jr. (1925-1968). Apesar disso, Dominik merece ser parcialmente absolvido por esses lugares-comuns. Sua intenção não é apenas expor a decadência de Marilyn, mas também retratar uma vítima de sua própria história, uma mulher tragada por um destino que raramente teve a chance de controlar.

Outros filmes biográficos recentes, como “Elvis” (2022), de Baz Luhrmann, também tentaram capturar a dualidade entre fama e sofrimento, mas “Blonde” vai além. Ele é mais um ensaio visual e emocional do que um relato factual, uma pintura que oscila entre a beleza trágica e a brutalidade da vida real. Dominik não busca absolvição nem condenação, mas sim compreender a natureza humana em sua forma mais exposta e vulnerável.

Filme: Blonde
Diretor: Andrew Dominik
Ano: 2022
Gênero: Drama/Thriller
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★