Na década de 1950, quando bonecas eram apenas bebês em miniatura, a chegada da Barbie trouxe um novo horizonte de brincadeiras: roupas, cenários e dilemas de uma mulher adulta. Porém, o tempo revelou os ônus de um ícone que, para muitos, estabelecia padrões de beleza impossíveis. Talvez em resposta a essas críticas, as vendas despencaram em 2022, registrando uma queda de 11%. Agora, Greta Gerwig apresenta um filme em que a boneca supera tais controvérsias e vive em Barbielândia, um mundo utópico onde mulheres dominam todas as profissões, recebem prêmios e ignoram rivalidades femininas. Nesse cenário idealizado, Ken é apenas… Ken. Sua “profissão” é a praia, e sua existência se resume a buscar a aprovação da Barbie.
A protagonista, interpretada por Margot Robbie, é a “Barbie estereotipada”: loira, magra e de olhos azuis. Ciente de seu padrão limitante, sua rotina desmorona quando seu corpo e mente passam a se questionar. A solução? Viajar ao “mundo real” para restaurar sua perfeição. Ken (Ryan Gosling) se junta a ela, iniciando uma jornada de autodescoberta que desafia ambos. Gerwig não apenas humaniza a boneca, mas também subverte a narrativa tradicional. Para muitas meninas que cresceram projetando-se na Barbie — impulsionadas por filmes animados de sábado de manhã —, a perspectiva agora se inverte: a boneca é quem sonha ser uma mulher.
O filme se constrói como uma sátira afiada, contrastando Barbielândia com o machismo do mundo real. Nem mesmo a Mattel escapa das críticas. Não é coincidência que, em meio a vendas em queda, a estratégia de marketing do filme tenha elevado o valor das ações da empresa em 16,05%. Aceitar a crítica é parte do jogo corporativo. A direção de arte de Sarah Greenwood e os figurinos de Jacqueline Durran transformam Barbielândia em uma festa visual, vibrante e irônica. Apesar da fantasia, as quase duas horas de duração fluem com leveza, enquanto o humor revela verdades desconfortáveis sob uma camada rosa-choque.
Tematicamente, “Barbie” ecoa os filmes anteriores de Gerwig. Em “Lady Bird: A Hora de Voar” (2017), uma jovem busca escapar de uma vida comum. Em “Adoráveis Mulheres” (2019), Jo March deseja escrever, enquanto suas irmãs sonham com casamentos. Assim como Lady Bird e Jo, Barbie também busca mais do que o destino lhe oferece. A mensagem é clara: por mais que Barbielândia seja perfeita, a busca por significado é universal. Gerwig explora com sensibilidade o paradoxo humano entre desejar mudança e temer o desconhecido.
É um filme feminista? Sim, sem disfarces. Mas dizer que é “anti-homens” é um erro. Enquanto Barbie redefine seu papel, Ken também questiona sua própria identidade. A fragilidade de ambos os mundos — o real e o utópico — é exposta com humor e melancolia. Ryan Gosling rouba a cena em muitos momentos, flertando com o exagero. Seus números musicais revelam um talento já conhecido em “La La Land” (2017), mas aqui, o tom é cômico e autoconsciente. America Ferrera, como Gloria, é outro destaque: sua personagem, uma funcionária entediada da Mattel, encontra na fuga para Barbielândia uma chance de reviver sua alegria perdida.
Margot Robbie, duas vezes indicada ao Oscar (2018 e 2020), é a personificação perfeita de Barbie — superficial e vibrante, mas capaz de emocionar nos momentos de introspecção. Sua atuação equilibra a comédia e a reflexão com maestria. No fim das contas, a humanização da Barbie é também uma tentativa da Mattel de reconciliar o passado com o presente. Produzido por Margot Robbie e escrito por Gerwig e Noah Baumbach, o filme é uma aposta corajosa em uma nova narrativa.
Embora carregado de referências pop voltadas para os millennials, “Barbie” é uma experiência divertida para todas as idades. Ao tratar temas sérios sem perder a leveza, Gerwig entrega uma história que poderia muito bem ser exibida na Sessão da Tarde — uma homenagem nostálgica e subversiva às meninas que cresceram sonhando com um mundo cor-de-rosa.
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