Não é exatamente verdadeira a máxima de Tolstói sobre a semelhança fundamental entre as famílias felizes e o signo da exclusividade que rege as famílias pouco afortunadas. Analisando-se a questão com um pouco mais de cautela, conclui-se logo que, também no infortúnio, os microcosmos compostos por pai, mãe e filhos, hoje muito mais amplos, células minúsculas do organismo mastodôntico chamado humanidade e fracassados por razões sobre as quais não é custoso dissertar, têm vários pontos de intersecção uns com os outros.
Não são nada insignificantes os casos de famílias bombardeadas pelo egocentrismo sem medida de quem deveria ser o primeiro a zelar pela integridade de todos, assunto destrinchado com leveza pela sul-africana Rethabile Ramaphakela em “Um Fiasco de Férias”. No relato cômico e algo trágico de Ramaphakela, uma das instituições elementares do tecido social está em constante perigo, ameaçada justamente pelo fogo amigo de uma guerra emocional. É como se o mundo invertesse seu fluxo de sempre, as pessoas começassem a andar para trás, ébrias de mágoas represadas, a Terra se comprimisse contra seu próprio eixo e a humanidade, enfim, voltasse ao seio neandertal.
A novíssima e cada vez mais vigorosa indústria cinematográfica da África do Sul parece ter se especializado em histórias com vívido teor moralizante, aplicado de forma quase tão dura quanto a paisagem em que se ambientam. Essas narrativas movem-se da tradição oral para textos de nítida elaboração semiótica, onde cada elemento cumpre uma função bastante específica, nada é gratuito, atores estão ligados ao que se passa em cena de modo umbilical e pode-se enxergar um propósito sutil de educação para além da mera formalidade. Ramaphakela, contudo, contorna tons professorais ao contar a história de Joseph, um pai e publicitário workaholic que precisa desenvolver uma nova estratégia de marketing para vender papel higiênico, uma piada com todo o potencial escatológico e de toscos ataques ao capitalismo que não seduzem a diretora-roteirista.
Em vez disso, ela bate na tecla do humor ingênuo, centrado na figura de Joseph, o protagonista vivido por Kenneth Nkosi, e sua química com o restante do elenco. Joseph, Nandi, a nova esposa, e os três filhos, Lily, Nomzamo e Joseph Junior, só precisam de férias, mas como sair de férias tendo de enfrentar o maior desafio da carreira, o que pode significar ou uma promoção decisiva ou a rua? Nkosi responde por quase toda a diversão em “Um Fiasco de Férias”, graças a sua espantosa versatilidade. O filme vale por ele.
★★★★★★★★★★