Após um longo hiato, Wong Ching-Po, renomado diretor de Hong Kong, retorna com “Os Três Males”, um thriller taiwanês que funde ação feroz e emoção profunda. Inspirado por uma antiga fábula chinesa, o filme rejeita os clichês do gênero de gângsteres, abordando temas de redenção e o peso de um legado insuportável. Desta vez, Wong substitui os excessos de câmera lenta por uma abordagem mais direta e vigorosa, mantendo a atenção do público com uma narrativa que pulsa com intensidade e foco.
A história gira em torno de Chen Kui-lin, interpretado com furor contido por Ethan Juan. Um assassino implacável e procurado, Kui-lin ocupa o terceiro lugar na lista dos fugitivos mais perigosos de Taiwan. Sua jornada toma um rumo inesperado quando ele descobre estar com câncer terminal nos pulmões. Resignado a se entregar, Kui-lin é tratado com desdém na delegacia, reacendendo nele o desejo de deixar uma última marca indiscutível no mundo. Assim, ele embarca em uma caça mortal para eliminar os dois primeiros nomes da lista: o sádico Hongkie, vivido por Ben Yuen, e o manipulador insidioso Lin Lu-ho, interpretado magistralmente por Chen Yi-wen.
A violência permeia cada cena de “Os Três Males”, brutal em sua exibição de corpos quebrados, ossos fraturados e sangue que corre sem piedade. Hongkie é a personificação do terror físico e psicológico, especialmente em uma cena chocante de abuso contra Cheng Hsiao-mei (vivida com uma mistura de fragilidade e força por Gingle Wang). Em contrapartida, Lin Lu-ho manipula com frieza e sutileza. Wong equilibra magistralmente o horror com momentos de leveza irônica, como a tática engenhosa de revelar uma arma escondida usando o reflexo de um espelho, sempre subvertendo as expectativas do público.
Um ponto de inflexão acontece quando Kui-lin chega a uma igreja controlada por um culto macabro e descobre que Lin Lu-ho já está morto. Essa reviravolta não apenas muda a trajetória da história, mas também leva o protagonista a um mergulho introspectivo. Wong usa esse momento para brincar com a percepção do espectador, deixando pistas sutis enquanto mantém o suspense em torno dos passos seguintes de Kui-lin. Mesmo as falhas na lógica, como a impressionante resiliência do protagonista após ferimentos severos, não diminuem a força emocional da trama.
Nos momentos finais, o filme se transforma em uma combinação devastadora de tragédia e catarse. O clímax é um tiroteio visceral e esteticamente hipnótico, seguido por um desfecho que mistura brutalidade e emoção de maneira impactante. As interações finais entre Kui-lin e seus rivais revelam camadas inesperadas de humanidade, deixando uma sensação agridoce de conclusão e reflexão.
Com “Os Três Males”, Wong Ching-Po demonstra uma maturidade inquestionável, elevando os padrões do thriller de ação. A primeira metade do filme pulsa com a tensão dos thrillers coreanos, enquanto a segunda se abre para uma dimensão surreal e introspectiva, reminiscentes da obra de Sion Sono. Entre reviravoltas cruéis, violência perturbadora e reflexões profundas, o filme se consagra como uma experiência memorável. Wong entrega um thriller que desafia os limites do gênero e convida o público a explorar a brutalidade e a poesia de uma narrativa impiedosa.
★★★★★★★★★★