Tarde ou noite? O filme de Sofia Coppola com Elle Fanning é a escolha certa na Netflix Divulgação / Focus Features

Tarde ou noite? O filme de Sofia Coppola com Elle Fanning é a escolha certa na Netflix

Sofia Coppola entrega com “Somewhere” uma obra introspectiva que desafia a percepção do público sobre a fama e suas complexidades. O que prende nossa atenção? A curiosidade sobre a vida dos privilegiados ou a maneira cuidadosamente elaborada com que essa narrativa é contada? O longa equilibra uma análise sedutora do glamour de Hollywood com uma crítica implacável à sua futilidade. Coppola, ao romper com estruturas narrativas convencionais, opta por uma abordagem minimalista e experimental, que intriga e desafia.

Nos primeiros momentos, a câmera segue um homem de aparência negligente, interpretado por Stephen Dorff, em uma rotina desprovida de sentido: testando carros potentes, observando apresentações de pole dance e recebendo sorrisos de admiração feminina. A princípio, sua aparente apatia desconcerta. Até que o contexto se revela — ele é uma estrela de cinema. Esse detalhe ressignifica a trama: nos importamos com ele? Quando, ao telefone com a ex-esposa, ele confessa seu vazio existencial, surge o dilema: é possível simpatizar com alguém preso na alienação do estrelato?

Com destreza, Coppola desvenda o luxo para expor a desolação subjacente. A trilha sonora quase inexistente, pontuada por ruídos incidentais, e o ritmo deliberado das cenas desarmam o espectador, mergulhando-o em uma atmosfera onde cada detalhe revela algo. A opulência se transforma em um pano de fundo desumanizante, onde as identidades se diluem sob o peso dos privilégios excessivos.

Elle Fanning, na pele da filha de 11 anos do protagonista, traz profundidade emocional. Forçada a acompanhar o pai, ela observa, com um olhar crítico e maduro, os bastidores do luxo — hotéis caros, viagens internacionais e uma constante negligência afetiva. A dinâmica entre pai e filha, marcada por um afeto silencioso e distante, expõe cicatrizes que o glamour não consegue ocultar. Coppola prefere sugerir essas feridas emocionais a expor sentimentos de forma explícita. Elementos recorrentes de sua filmografia — corredores intermináveis, diálogos triviais e luzes dançantes pela janela — reforçam o senso de alienação.

Conforme a narrativa evolui, o personagem de Dorff começa a redefinir seu papel como pai, percebendo pela primeira vez a complexidade das mulheres ao seu redor. Coppola examina a masculinidade com uma precisão profundamente feminina, capturando nuances que escapariam a outros olhares. A escolha por enquadramentos fixos e baixos, reminiscentes da estética de “Jeanne Dielman” de Chantal Akerman, força os personagens a se adaptarem ao quadro, destacando o olhar único da diretora.

Ao retornar a cenários familiares na conclusão, o protagonista, agora transformado, reflete uma mudança silenciosa. O peso das palavras não ditas e a tentativa falha de verbalizar seu caos interior revelam uma força narrativa rara. Essa sutileza, aliada a uma estrutura que desafia padrões, faz de “Somewhere” uma obra profundamente revolucionária em sua calma e delicadeza.

Assim, Coppola não apenas questiona o espetáculo da fama, mas expõe sua fragilidade latente. Mais do que um retrato de luxo, “Somewhere” é uma jornada pelas camadas ocultas da solidão e vulnerabilidade humanas. Entre trivialidades reveladoras e momentos de silêncio, o filme recorda que, sob o brilho artificial, a essência da humanidade permanece inescapável. O resultado é uma experiência cinematográfica marcante, que desafia expectativas e solidifica sua relevância no cinema contemporâneo.

Filme: Somewhere
Diretor: Sofia Coppola
Ano: 2010
Gênero: Comédia/Drama/Romance
Avaliaçao: 10/10 1 1
★★★★★★★★★★