Uma mulher em busca de autonomia e identidade está cercada por contendores, começando pelo homem abjeto com quem partilha seus momentos mais íntimos. Essa é Catarina Parr (1512-1548), a sexta e última esposa de Henrique 8º (1491-1547). Entre 1543 e 1547, a rainha consorte da Inglaterra foi obrigada a elaborar planos ora ingênuos, ora refinados para manter sua sanidade, aproveitando para tentar um ou outro avanço civilizatório na condução do reino. A vida da monarca parecia mesmo um enorme tabuleiro, ideia de que Karim Aïnouz faz bom proveito em “O Jogo da Rainha”, uma biografia romanceada na qual joga luz sobre a protagonista, seus anseios, suas dores e, mais importante, seu temperamento aguerrido. Baseado no romance homônimo da inglesa Elizabeth Fremantle, de 2013, o roteiro de Henrietta e Jessica Ashworth faz a narrativa girar em torno de Catarina, botando a história em seu devido contexto, ou seja, o de alguém que luta com as armas que estão ao seu alcance para vencer um tempo de assumido desinteresse por sua condição.
Aïnouz retrata o casamento de Catarina e Henrique 8º a partir da ausência do rei, comandando as tropas inglesas contra a França em 1544, numa brevíssima reedição da Guerra dos Cem Anos (1337-1453), quando a rainha torna-se a regente. Vez ou outra, Catarina deixa escapar um anseio de mudança, uma vontade reformista qualquer; é quando se despacha para o bosque onde vive Anne Askew (1521-1546), a amiga de infância que abraçara a vocação de pregadora de discurso abertamente progressista, um risco adicional também captado pelo radar dos espiões do marido. Aïnouz usa essas cenas como uma espécie de prefácio, adiantando muito sobre a natureza dos embates que Catarina terá com o soberano, e aos poucos, Alicia Vikander marca posição no enredo.
As conversas da rainha com Anne Askew são um elemento a mais na composição da personagem de Vikander, ainda que Erin Doherty roube a cena com uma interpretação caudalosa em seu curto tempo de tela. O mesmo se pode dizer de Junia Rees no papel da princesa Elizabeth (1533-1603), filha de Henrique 8º e da desditada Ana Bolena (1500-1536), que reina por 45 anos, sem a interferência dos homens e suas guerras. Falando-se em homem, sim, Jude Law é quem encarna o rei, obeso e espalhando o mau cheiro de podridão da perna gangrenada. Salve a perseverança de Catarina Parr!
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