O melhor faroeste da década chegou ao Prime Video e merece ser visto duas vezes Divulgação / Koch Media

O melhor faroeste da década chegou ao Prime Video e merece ser visto duas vezes

O faroeste cresceu tanto que passou a abrigar uma boa margem de assuntos, e há algum tempo deixaram de ser protagonizados por caubóis, sacerdotes profanos e bárbaros da terra, mestres na alquimia de fazer do talento em lidar com o lado mais primitivo da natureza uma qualidade prezada não só por quem os rodeia, mas pelo povo americano como um todo. Surgiram faroestes que valem-se da estética do Velho Oeste para falar das dores de amor de facínoras, da moral improvável de matadores, das vontades carnais de gente entristecida, temas que guardam em suas muitas camadas visões de mundo as mais incompatíveis.

“Amaldiçoada” é mais um exemplo da pluralidade do gênero, a começar por seu diretor. Mirando o faroeste, o holandês Martin Koolhoven elaborou um amplo universo de tipos humanos e seus dramas, sem esquecer de tocar nas velhas feridas que são umas das razões de tais histórias fomentarem boas discussões, sobretudo numa época em que tudo é permitido. O roteiro de Koolhoven remói a tragédia de uma garota injustiçada em quatro tomos cujos títulos remetem o espectador à Bíblia, como se a Terra voltasse a seus primórdios.

O diretor-roteirista faz menção ao hábito de desejarmos o que nos parece inestimavelmente distante por sabermos que as chances de o alcançar são mínimas. Sufocamos aspirações próximas porque elas não se nos revelam instigantes o suficiente, não nos encantam, não conseguem, enfim, cavar espaço num cérebro tomado por pensamentos os mais absurdos, rendido pela tirania da ilusão, subjugado pelo desvario mais eloquente, que não se contenta em mostrar-se senhor das humanas vontades e dos desejos mais comezinhos e pulsa e grita e queima, fazendo sofrer quem ousa enfrentar seus próprios medos e as neuroses que deles eclodem, como se fossem as larvas de um inseto asqueroso e peçonhento, que não mede esforços para tomar conta de um jardim inteiro. 

Esse é o mundo de Elizabeth Brundy, que passou a ter da vida uma noção turva desde que um novo reverendo chega à cidade. A moça começa a apresentar um comportamento esquivo, parece temer ser encontrada, reconhecida, suspeita que o público confirma no segundo ato. Enquanto isso, Liz tenta manter a serenidade trabalhando como a parteira do vilarejo, ao lado do marido, Eli, do enteado e da filha. Koolhoven segura o quanto pode os momentos de tensão entre Liz e o pregador, e os libera na hora exata, fazendo as devidas revelações sobre uma e outro. Toma corpo um jogo de gato e rato bem-conduzido pelo diretor, com Dakota Fanning e Guy Pearce ancorando emoções antagônicas e complementares, embora as muitas pretensões de Koolhoven prejudiquem o andamento do longa no desfecho.

Filme: Amaldiçoada
Diretor: Martin Koolhoven
Ano: 2016
Gênero: Faroeste/Thriller
Avaliaçao: 9/10 1 1
★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.