Poucos enredos são tão intrincados e autorreflexivos quanto “Desejo e Reparação”, o drama de época de Joe Wright, baseado no sofisticado romance de Ian McEwan. O roteiro de Christopher Hampton preserva com maestria as complexas camadas narrativas do livro, conduzindo o espectador por uma história que se desenrola na Inglaterra de 1935 e se estende às sombrias trincheiras da Segunda Guerra Mundial. A meticulosa adaptação não apenas respeita o original, mas captura sua atmosfera de melancolia e fatalidade.
A narrativa se ancora em Briony Tallis, uma jovem interpretada com surpreendente maturidade por Saoirse Ronan. Sua perspectiva inocente e enviesada conduz a um erro devastador que separa sua irmã Cecilia (Keira Knightley) e o apaixonado Robbie Turner (James McAvoy). Uma cena trivial à beira de uma fonte — mal compreendida por Briony — aciona uma cascata de eventos que culminam em acusações falsas e destinos irremediáveis. O desconforto palpável e os tons pastéis da cinematografia de Seamus McGarvey dão vida às ambiguidades da trama.
Joe Wright demonstra um controle impecável dos elementos cênicos e narrativos, transformando detalhes cotidianos em símbolos de destruição emocional. A aparente leveza da rotina aristocrática contrasta com o peso das escolhas morais. Lola Quincey (Juno Temple) e seus irmãos gêmeos, vítimas indiretas de um divórcio escandaloso, adicionam camadas de tensão e mistério ao cenário da mansão Tallis. A metalinguagem permeia cada cena, refletindo a própria natureza enganosa da narrativa.
Cecilia e Robbie, interpretados por Knightley e McAvoy com uma intensidade contida, personificam um amor frustrado pelas circunstâncias. Cecilia, embora criada para ser a perfeita dona de casa, não hesita em desafiar as convenções sociais em busca de sua verdade. Robbie, por outro lado, é um homem cuja dignidade é destruída por acusações injustas. A cena na biblioteca — um momento de paixão e vulnerabilidade — se torna a âncora trágica de suas vidas.
Com a Segunda Guerra Mundial como pano de fundo, o terceiro ato oferece uma sombria redenção. Robbie e Cecilia buscam se reencontrar em meio ao caos, enquanto Briony — agora adulta e marcada pela culpa — tenta reparar os danos causados. As cenas de guerra, especialmente a evacuação de Dunquerque, revelam a brutalidade dos tempos e a fragilidade das segundas chances.
Por fim, é Vanessa Redgrave, na pele de uma Briony idosa, quem nos entrega a última peça desse quebra-cabeça emocional. Sua confissão expõe não apenas a dimensão de seus erros, mas também a busca incessante por absolvição. Em um ato de metalinguagem suprema, a narrativa revela-se uma ilusão de paz, um último consolo em meio ao irremediável.
“Desejo e Reparação” é, em última instância, um testemunho do poder destrutivo da percepção equivocada e do impacto duradouro das escolhas. Wright nos presenteia com uma obra de beleza arrebatadora e profunda tristeza, onde cada quadro, cada palavra, reverbera com significado e sofisticação.
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