Poucos filmes conseguem traduzir a complexidade das buscas internas como “Comer, Rezar, Amar”. Inspirado no best-seller autobiográfico de Elizabeth Gilbert, o longa dirigido por Ryan Murphy transforma a odisseia de autodescoberta da autora em um mosaico visual de viagens e encontros, onde cada cenário se torna uma metáfora para as inquietações humanas. Com uma produção ambiciosa e uma narrativa rica em contrastes, o filme explora as contradições de uma mulher em crise, oferecendo uma visão ao mesmo tempo íntima e universal sobre a busca pelo equilíbrio entre corpo, mente e espírito.
Elizabeth Gilbert, interpretada por Julia Roberts, é uma mulher que, à primeira vista, parece ter conquistado tudo o que muitos almejam: uma carreira bem-sucedida, estabilidade financeira e relacionamentos confortáveis. No entanto, a superfície esconde uma inquietação corrosiva. Presa a um casamento estagnado com Stephen (Billy Crudup), um homem cujos desejos se chocam com os dela, Liz decide abandonar tudo e se lançar em uma jornada que a levará por três continentes em busca de respostas que nem ela sabe formular.
A estrutura narrativa reflete a trilogia das experiências da protagonista: o prazer sensorial na Itália, a introspecção espiritual na Índia e o equilíbrio emocional em Bali. Cada destino traz consigo personagens que enriquecem sua trajetória e ampliam o alcance do roteiro, coescrito por Murphy e Jennifer Salt. Na Itália, Liz encontra refúgio nos prazeres gastronômicos, permitindo-se engordar tanto no corpo quanto na alma. A relação com a comida, apresentada com sensibilidade e humor, ilustra sua reconexão com o prazer imediato, algo que parecia esquecido.
Na Índia, o tom do filme muda. O cenário vibrante dá lugar a reflexões profundas e conflitos internos. Aqui, Liz encontra Richard (Richard Jenkins), um texano espirituoso e cheio de dores mal resolvidas, cuja amizade a desafia a confrontar suas próprias fragilidades. As conversas entre os dois são momentos de rara intensidade emocional, conduzindo o público a se conectar com as verdades mais cruas da protagonista.
Bali, o capítulo final, é onde a trama atinge seu clímax emocional. Liz retorna ao guru Ketut (Hadi Subiyanto), cuja sabedoria simplista contrasta com as complexidades da jornada dela. É também onde Felipe (Javier Bardem) entra em cena, um brasileiro carismático que desafia as reservas emocionais de Liz, forçando-a a reconsiderar sua relação com o amor. Bardem entrega um desempenho caloroso, equilibrando momentos de vulnerabilidade e charme, enquanto a química entre ele e Roberts ilumina a tela.
A interpretação de Julia Roberts é o pilar que sustenta o filme. Com seu magnetismo inegável, ela confere autenticidade a uma personagem que poderia facilmente ser reduzida a estereótipos. Liz não é perfeita — e o roteiro faz questão de sublinhar suas contradições. Entre momentos de egoísmo e epifanias genuínas, ela se torna um reflexo das complexidades humanas, mantendo o público dividido entre simpatia e frustração.
A direção de Murphy alterna momentos de lirismo e crueza, utilizando a cinematografia para destacar a dualidade entre os cenários exuberantes e as tempestades internas de Liz. No entanto, é no desenvolvimento de seus personagens secundários que o filme ganha profundidade. Richard Jenkins, em especial, rouba cenas com uma performance que mistura humor e melancolia, enquanto Billy Crudup e James Franco trazem nuances aos homens deixados no caminho por Liz.
Ainda assim, “Comer, Rezar, Amar” não escapa de algumas armadilhas narrativas. O humor involuntário de certas cenas em Bali e a previsibilidade de algumas resoluções podem enfraquecer o impacto emocional do desfecho. Apesar disso, o filme mantém o foco em sua mensagem central: o equilíbrio é uma busca contínua, e o amor — seja por si mesmo, pelo outro ou pela vida — é uma força que nos empurra a seguir adiante, mesmo quando tudo parece perdido.
“Comer, Rezar, Amar” é mais do que um relato de viagens; é uma reflexão sobre os limites que impomos a nós mesmos e as possibilidades que surgem quando decidimos atravessá-los. Elizabeth Gilbert, com todas as suas falhas e virtudes, nos lembra que a transformação não está nos destinos que visitamos, mas na forma como escolhemos caminhar por eles.
★★★★★★★★★★