Uma combinação envolvente entre o universo urbano de “Medianeras” e o charme poético de “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain”, o romance da Netflix “Uma Parede Entre Nós”, dirigido por Patricia Font, se desdobra como uma metáfora romântica dos tempos modernos. A química entre Aitana Ocaña e Fernando Gullar, nos papéis de Valentina e David, é palpável mesmo nos raros momentos em que compartilham a tela.
Inspirado no romance francês “Um Amor Inesperado”, de Clovis Cornillac, a adaptação espanhola adiciona vitalidade e contemporaneidade à trama. Logo nos primeiros minutos, somos apresentados a Valentina, uma pianista jovem e delicada, que se encontra perdida após o fim de um relacionamento sufocante com Óscar (Miguel Ángel Muñoz), um maestro controlador. Desnorteada, Valentina recebe o apoio inestimável de sua prima Carmem (Natalia Rodríguez), que a ajuda a recomeçar: um novo apartamento e um emprego em uma cafeteria se tornam o cenário de sua reconstrução.
No entanto, o novo lar revela uma complicação peculiar: paredes extremamente finas que deixam à mostra cada movimento do vizinho, David, um engenheiro introspectivo e irritadiço. No início, os ruídos são fonte de desentendimentos e frustração. Valentina, pressionada por uma audição iminente, vê-se forçada a negociar com o vizinho rabugento horários para ensaiar em paz.
David, por sua vez, carrega um isolamento voluntário de três anos, uma fortaleza erguida após um trauma doloroso. Seu refúgio silencioso é perturbado pela música de Valentina, levando-o a confrontá-la. Paradoxalmente, a fúria despertada por essas intervenções leva Valentina a se superar em suas execuções, fortalecendo sua preparação para o grande teste.
O convívio forçado evolui de tensão para camaradagem conforme diálogos sinceros atravessam a barreira física que os separa. Unidos pelo acaso e pela acústica traiçoeira do edifício, David e Valentina constroem uma conexão singular. Enquanto ele habita um prédio adjacente, com saída para outra rua, suas vozes e confidências flutuam através das paredes como fios invisíveis de uma amizade peculiar.
Com o fortalecimento desse laço improvável, David começa a romper seu isolamento, enquanto Valentina, finalmente livre das imposições de Óscar, redescobre a paixão pela música sem amarras.
“Uma Parede Entre Nós” pode não mergulhar profundamente na psique de seus personagens, mas cumpre sua função como uma narrativa leve e instigante. A trama reflete sobre os relacionamentos mediados pela distância, as conexões virtuais e a efemeridade das paixões contemporâneas, onde a proximidade física nem sempre é necessária para que surja algo genuíno.
A direção de Patricia Font incorpora elementos nostálgicos dos anos 1980 e 1990, sugerindo ecos de filmes como “Mulher Nota 1000” e “Namorada de Aluguel”, além do icônico videoclipe “Hole in My Soul” da banda Aerosmith. Essas referências, longe de serem meros adornos, ampliam a percepção de que, mesmo em um mundo digital, os encontros e desencontros amorosos seguem padrões eternos de anseio e descoberta.
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