Tempos difíceis pedem medidas extremas. O fim do mundo, como todos sabemos, incita a curiosidade de qualquer um que perceba correr em suas veias ao menos uma gota de sangue que não tenha sido maculado pela indiferença com as causas que preocupam ou deveriam preocupar todo o mundo. O apocalipse virou um fetiche poderoso, e não há lugar no planeta que melhor simbolize a derrocada da civilização como a conhecemos do que Nova York. Refinando-se o corte, chega-se a Bushwick, uma vizinhança barra-pesada ao norte do Brooklyn que empresta o nome ao filme de Jonathan Milott e Cary Murnion, que aparece sofrendo atentados à bomba por helicópteros das Forças Armadas enquanto os moradores das redondezas contra-atacam como podem. Os diretores e os corroteiristas Nick Damici e Graham Reznick apontam os pés de barro da democracia americana de uma forma que o espectador assimila imediatamente, embora sobrem algumas arestas a limar.
Um casal de namorados sai sem pressa do metrô conversando estranhas amenidades. Ela parece duvidar do quão viril ele pode ser, ele reage meio a contrapelo e, quando menos se espera, uma mensagem nos alto-falantes diz que os usuários devem procurar a saída. Lucy, a garota, parece mais tranquila que José, até que um homem em chamas passa ao largo, vindo do nível da rua. Nessa hora, os dois alarmam-se e tolamente sobem para a calçada, apenas para que, transcorridos alguns segundos, José volte correndo, aturdido e chamuscado, para morrer. O nonsense é a tônica aqui, e Milott e Murnion nunca acham nada tão absurdo que não possa ficar ainda mais inverossímil. Lucy, a anti-heroína interpretada por Brittany Snow, é perseguida por duas mulheres, uma branca e uma negra, refugia-se num porão e é resgatada por Stupe, o ex-fuzileiro naval que habita aquele buraco inóspito.
O que resta de “Bushwick” diz respeito aos deslocamentos de Lucy e Stupe por grande parte da megalópole, deparando-se com funestos perigos a cada esquina, enquanto a situação tende a sair do controle. Por mais controverso que possa soar, distopias prestam-se a um notável refrigério para espíritos menos conformados com o caos que reina no mundo desde o princípio de tudo, e guardadas as devidas proporções, este longa conserva a tendência. Snow e Dave Bautista encarnam esse caos imanente sem medo do ridículo, com direito inclusive a uma piada infame sobre Hoboken. Talvez seja a senha para que interrompamos a sintonia e ouçamos o bom e velho Sinatra.
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