O desejo de reparação é sempre um excelente ponto de partida nas histórias sobre homens ávidos por reencontrar seu próprio eixo. Sagas familiares começam pelos motivos mais excepcionais, mas sempre têm um propósito em comum: frisar a necessidade de se manter os vínculos com o que somos desde antes que soubéssemos o que nos prepararia o mundo. Existe quem se perca pelos descaminhos que se vendem como um atalho para a felicidade, do mesmo modo que existem os que não se conformam com aquilo que todos julgam como o natural, e dessa luta emergem as tramas de sofrimento e resistência de que é feita a própria humanidade e conferem-lhe sentido. “Vingança a Sangue Frio”, um thriller com todos os elementos que fazem a alegria de apreciadores do gênero, sabe dosar com raro equilíbrio ritmo e pausa, o que pode fazê-lo passar por pretensioso. Basta alguns minutos, entretanto, para que se reconheça que este é um grande filme.
À deriva entre a razão, salvífica, mas igualmente dotada de seu talento para a ruína, e o desespero, imanente à condição humana, absorvendo-nos para o centro das grandes, das irreversíveis misérias que se cultivam por si mesmas em nossa alma e se alastram — com a nossa ajuda inconfessa —, o homem se perde e se encontra e se perde mil outras vezes, sendo o lobo de outros inúmeros homens, mas sendo ainda lobo muito feroz para si próprio. Estamos condenados a cometer os mesmos erros pelos séculos dos séculos, até que nos arrebatem os anjos ou socorram-nos os bárbaros, trazendo algum falso desenlace com que teremos o maior prazer de nos iludir. O homem passa a vida em pânico, abafando a vontade de rebelar-se contra toda a insana fantasia que o cerca, temendo a postura que assume diante de dificuldades que lhe atravancam o prosaico dia a dia.
Acossado por suas escolhas, o gênero humano avança no tempo esquivando-se o quanto pode de seu invencível medo do futuro, que não raro degenera na paranoia fundada numa disputa de elaborada parvulez entre o bem e o mal, conjuntura que o existir lhe apresenta sob a forma de um ir e vir sem medida de sensações que beiram o absurdo. Não há mistério no texto de Frédéric Petitjean; o diretor-roteirista volta três décadas e faz Jean Reno reviver Léon, o protagonista de “O Profissional” (1994), de Luc Besson, malgrado aqui um Léon bem mais sereno, quiçá anestesiado pelas pancadas da vida. Seu único desejo, de passar despercebido do resto da humanidade, é ameaçado pela chegada de Melody, uma mulher com um grave ferimento, e a graça simples é observar como esses dois se saem juntos. Mestre nesses papéis, Reno encontra em Sarah Lind a dupla perfeita.
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