A proliferação de filmes que abordam os dilemas da adolescência pode parecer um clichê para o público menos atento. Jovens encurralados por escolhas impulsivas, influências negativas ou circunstâncias adversas são figuras recorrentes. No entanto, quando Taika Waititi dirige o olhar para esse universo, ele o faz com uma mistura singular de realismo e fantasia. Não se trata de escapismo fácil ou de enredos previsíveis que se resolvem por si mesmos.
Waititi revelou seu talento para contar histórias de infâncias em crise com “Boy” (2010), que segue um garoto descobrindo a falibilidade do pai nos anos 1980. Em 2019, “Jojo Rabbit” apresentou uma visão inusitada do Holocausto através da inocência perdida de Elsa Korr. Entre essas duas obras, o diretor lançou “A Incrível Aventura de Rick Baker”, um filme que brilha tanto pelo que revela quanto pelo que apenas sugere.
Rick Baker, o protagonista de 14 anos, já acumula uma história de rejeição. Após ser expulso de sucessivas famílias adotivas devido a delitos como vadiagem e depredação, ele está prestes a ser enviado para um reformatório severo. Sua última esperança é Paula, uma conselheira tutelar inflexível interpretada por Rachel House. Valendo-se de uma brecha legal, Paula envia Rick para viver com Bella e Hec, um casal rural sem filhos, interpretado com carisma por Rima Te Wiata e Sam Neill.
Bella acolhe Rick com uma firmeza acolhedora, enquanto Hec, de poucas palavras, se mostra inicialmente relutante. Porém, é nesse ambiente agreste que Rick começa a vislumbrar uma nova possibilidade de pertencimento. Quando um evento inesperado o leva a fugir para a floresta, o filme se desdobra em uma caçada envolvendo Rick e Hec, uma dupla improvável unida por circunstâncias quase absurdas.
A paisagem selvagem da Nova Zelândia é o palco perfeito para essa fábula moderna. A jornada através das florestas não é apenas uma fuga, mas uma busca por identidade e afeto em um mundo que insiste em marginalizar aqueles que não se encaixam em padrões rígidos. O roteiro, inspirado no livro “Wild Pork and Watercress”, de Barry Crump, traduz com precisão os anseios e conflitos de um adolescente do século XXI, dando nova vida a um clássico literário.
A interpretação de Julian Dennison como Rick é um equilíbrio perfeito entre irreverência e vulnerabilidade. Ao lado dele, Sam Neill entrega uma atuação contida, mas profundamente comovente. Essa dinâmica de gerações é embalada pela trilha sonora marcante, especialmente “Sinnerman”, de Nina Simone, que sublinha a dualidade entre rebeldia e redenção.
Waititi utiliza o humor ácido para criticar as instituições sociais que preferem punir a entender. Em “A Incrível Aventura de Rick Baker”, a aventura é uma sátira do sistema e, ao mesmo tempo, um comovente lembrete de que, por trás da rebeldia, frequentemente se esconde apenas um pedido desesperado por amor e aceitação.
No final, a jornada de Rick e Hec é menos sobre fuga e mais sobre encontrar um lugar no mundo — ainda que esse lugar precise ser criado a passos firmes por entre a selva. Com uma mistura de sarcasmo, ternura e profundidade, Taika Waititi oferece um filme que desafia, emociona e, acima de tudo, nos faz refletir sobre os limites que a sociedade impõe a quem ousa ser diferente.
★★★★★★★★★★