Um feito raro: o filme da Netflix que mantém 100% de aprovação da crítica, mesmo 7 anos após o lançamento Divulgação / Netflix

Um feito raro: o filme da Netflix que mantém 100% de aprovação da crítica, mesmo 7 anos após o lançamento

Em “Calibre” (2018), dirigido por Matt Palmer, o personagem de Jack Lowden, um homem aprisionado pela iminente paternidade e pelas pressões sociais, busca uma saída ilusória ao aceitar um convite de um velho amigo para caçar na Escócia. A suposta pausa é mais um ato de fuga do que uma escolha consciente. Mesmo sem habilidade ou interesse pela caça, ele se junta a Marcus (Martin McCann), um amigo dominador cuja presença traz uma mistura perigosa de nostalgia e submissão. A viagem, que deveria ser um breve interlúdio, se revela uma armadilha emocional e moral.

Ao chegarem à vila, o clichê dos forasteiros endinheirados é habilmente desconstruído pelo roteiro. O líder local, Logan (Tony Curran), é retratado como um homem pragmático, que, por necessidade, aceita a presença desses caçadores. O povoado luta para sobreviver, e a visita dos dois amigos é tanto uma oportunidade econômica quanto uma bomba-relógio prestes a explodir. Enquanto Marcus se entrega a excessos de álcool, drogas e mulheres, Vaughn permanece desconfortavelmente preso entre sua consciência e a influência sufocante do amigo.

Na manhã seguinte, a caça começa. Vaughn, seguindo as instruções de Marcus, faz seu disparo e um frio desespero o toma quando percebe que atingiu não um animal, mas uma vida humana. Um pai que busca por seu filho é o próximo alvo involuntário da desastrosa sequência. Marcus, em uma tentativa desesperada de contornar a situação, atira para matar, mergulhando ambos em um abismo de culpa e violência irremediável. Eles agora são criminosos, caçados não apenas pela justiça, mas pelos espectros das escolhas que fizeram.

Logan, percebendo a ausência de seu irmão e sobrinho, lidera uma busca obstinada. A verdade é uma maré crescente e implacável, levando Marcus ao seu limite psicológico. Ele, que sempre parecia controlar a narrativa, fraqueja, deixando transparecer medo e culpa. Vaughn, mesmo consciente do peso insustentável dessa relação tóxica, permanece atrelado a esse laço destrutivo.

A perseguição é feroz, uma mistura de vingança e desespero. A fuga pela mata, sob o eco dos tiros e o faro infalível dos cães, culmina em um desfecho sombrio. “Calibre” se fecha com uma crueza inevitável, evocando a essência de “O Cidadão Ilustre” (2016) e as reflexões de Schopenhauer. A vontade humana, quando guiada por desejos insensatos, destrói tudo ao redor.

O filme é um estudo cruel das relações interpessoais e das consequências das escolhas mal refletidas. A incapacidade de aceitar a mudança e o peso de amizades desequilibradas revelam que certas memórias deveriam permanecer no passado. A resistência em enxergar a evolução das pessoas pode transformar reencontros em prisões ou em armadilhas fatais. Às vezes, o maior perigo não é o que enfrentamos na mata, mas o que carregamos dentro de nós.

Filme: Calibre
Diretor: Matt Palmer
Ano: 2018
Gênero: Suspense
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★