Uma nação é moldada por seus homens e suas narrativas. Nos Estados Unidos do século 19, o Velho Oeste era um cenário caótico e brutal, onde a justiça se confundia com a vingança. Nesse ambiente hostil, homens movidos por um senso feroz de retaliação emergiam como figuras quase ritualísticas, praticantes de uma justiça crua e instintiva, que inspirava temor tanto aos amigos quanto aos inimigos.
Em “Desaparecidas”, Ron Howard posiciona-se entre cineastas como John Sturges, Sergio Leone, Lawrence Kasdan e Jon Cassar, explorando esse gênero profundamente americano. Baseado no romance “The Last Ride” (1995), de Thomas Eidson, o filme apresenta Maggie Gilkeson, uma curandeira resiliente e mãe solteira que não depende de nenhum homem para enfrentar as durezas da vida no Novo México. Contudo, o roteiro de Ken Kaufman propõe uma reviravolta ao exigir que Maggie, interpretada por Cate Blanchett, busque ajuda em uma crise familiar que ultrapassa sua autossuficiência.
Administrando seu rancho e prestando cuidados ocasionais aos vizinhos — como extrair o último dente podre de uma velha indígena —, Maggie vive uma rotina austera. Sua relação discreta com Brake Baldwin, interpretado por Aaron Eckhart, é marcada por encontros breves que evitam os olhos e os comentários alheios. Essa dinâmica se desdobra até a chegada de uma ameaça devastadora. Samuel Jones, pai de Maggie, retorna após anos vivendo entre os indígenas, assimilando suas tradições a ponto de ser confundido com eles. Ele busca a filha por motivos de saúde, mas o reencontro é frio e breve. Quando Brake é morto em uma emboscada e Lilly, a filha mais velha de Maggie, é sequestrada por apaches, Samuel reaparece como um improvável aliado.
A verdadeira força de “Desaparecidas” reside na lenta reconstrução do vínculo entre Maggie e Samuel. Ron Howard conduz essa jornada com paciência e precisão, destacando a performance contida de Tommy Lee Jones, que imprime em Samuel uma firmeza moral encoberta por uma carapaça de amargura e remorso. Cate Blanchett, por sua vez, dá vida a Maggie com uma intensidade que equilibra determinação e vulnerabilidade. Jenna Boyd, como a jovem Dot, serve como elo sutil que conecta as gerações e suaviza as asperezas da narrativa.
Embora o filme ofereça cenas de ação e tiroteios característicos do gênero, o cerne da história está nos dilemas emocionais e nas complexidades dos relacionamentos familiares. Howard explora as ambiguidades de caráter e os conflitos internos, revelando que, em uma terra implacável, as verdadeiras batalhas acontecem dentro do coração humano. Talvez o único ponto fraco do filme seja justamente a impossibilidade de compreender plenamente os impulsos e as motivações desses personagens marcados pela dureza de seu tempo.
Neste Velho Oeste, onde a sobrevivência exige força e resiliência, Maggie e Samuel descobrem que a redenção é uma trilha tão árdua quanto a própria vingança.
★★★★★★★★★★