Yorgos Lanthimos nunca se contentou com o óbvio, e “Tipos de Gentileza” é mais uma prova irrefutável desse compromisso com o bizarro e o desconfortável. Desde “Meu Melhor Amigo” (2001), seu olhar inquieto para a condição humana tem sido marcado por roteiros que desmontam realidades aparentemente comuns, apenas para reconstruí-las sob um prisma absurdamente incômodo. O percurso iniciado com “Dente Canino” (2009) ganhou musculatura com “O Lagosta” (2015) e “O Sacrifício do Cervo Sagrado” (2017), projetos compartilhados com Efthimis Filippou. Após a pausa com “A Favorita” (2018) e o delírio visual de “Pobres Criaturas” (2023), Lanthimos e Filippou retornam afiados para conceber uma obra que desafia interpretações lineares.
Com três horas de duração, “Tipos de Gentileza” se desdobra em três atos distintos, permeados por um fio narrativo frágil, mas eletrizante. A primeira história, “A Morte de RMF”, estabelece o tom com uma atmosfera claustrofóbica e personagens que se debatem contra sistemas opressivos. Willem Dafoe e Jesse Plemons lideram esse segmento com atuações que transitam entre a vulnerabilidade e o horror. Plemons, em particular, é notável ao retratar Robert Fletcher, um homem subjugado por seu chefe despótico, Raymond. Hong Chau, no papel de Sarah, simboliza a tensão latente que permeia toda a narrativa. A brutalidade psicológica atinge o auge quando Fletcher é obrigado a administrar drogas abortivas à esposa — uma cena difícil de esquecer.
Nesse primeiro capítulo, Lanthimos capta com precisão as nuances de controle e fragilidade. A tensão psicológica é tão palpável quanto a frustração que se esconde atrás das cortinas do mundo corporativo. Plemons encarna essa realidade com uma maestria perturbadora, conduzindo o espectador por uma espiral de absurdos calculados e degradação emocional.
Em “RMF Está Voando”, o controle muda de mãos. Plemons interpreta Daniel, um policial assombrado pela suposta morte da esposa em um acidente de helicóptero. Emma Stone se junta à trama como Rita, uma figura enigmática cuja reaparição vira a narrativa de ponta-cabeça. O desfecho desse ato é tão inusitado quanto inquietante, preparando o terreno para o terceiro segmento, “RMF Come um Sanduíche”, onde segredos e ambiguidades se multiplicam. Andrew e Emily, também vividos por Plemons e Stone, fecham o ciclo com uma dança macabra entre a submissão e a rebelião.
A trilha sonora, pontuada por “Sweet Dreams” (1983), do Eurythmics, não é um mero detalhe estilístico. Ela captura o espírito de um filme que reflete sobre os sonhos distorcidos e os limites entre a gentileza e a violência emocional. Lanthimos, fiel ao seu estilo, desafia a lógica e provoca discussões que se prolongam muito depois da saída do cinema. Com “Tipos de Gentileza”, ele reafirma seu lugar como um dos cineastas mais instigantes e desconcertantes da atualidade.
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