Um clássico moderno, eleito um dos filmes do século: o romance mais bonito da Netflix (para ver e rever infinitas vezes) Divulgação / Focus Features

Um clássico moderno, eleito um dos filmes do século: o romance mais bonito da Netflix (para ver e rever infinitas vezes)

Existem lugares — talvez imaginários, talvez reais — onde se depositam os amores que não vingaram, os sentimentos que se esfacelaram ou morreram no meio do caminho. O amor, que deveria ser uma força agregadora, por vezes se entrelaça com emoções contraditórias. Duas pessoas podem perder horas preciosas em debates estéreis, defendendo suas verdades como se a relação fosse um embate de certezas insustentáveis. Quando tudo termina, a razão se torna irrelevante, e resta apenas a prova de que o amor, para existir, não precisa ser racional. Ele pode findar, como a própria vida, mas deixa vestígios — lembranças suaves ou amargas — que alguns, num ato de negação imatura, tentam apagar como se o amor fosse apenas um passatempo leve e descompromissado. Aqueles que pensam assim, talvez, nunca souberam realmente o que é amar.

“Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças” leva essa ideia ao limite, expondo um amor que se mostra tão destrutivo quanto inescapável. Dirigido por Michel Gondry e lançado em 2004, o filme continua relevante por sua abordagem singular e filosófica das relações humanas. O roteiro de Charlie Kaufman, mestre em mergulhar na complexidade psicológica dos personagens, oferece um retrato brilhante e inquietante de memórias apagadas e das emoções que persistem. Assim como em “Quero Ser John Malkovich” (1999), Kaufman brinca com a ideia de penetrar na mente de outra pessoa, mas em “Brilho Eterno”, ele vai ainda mais longe, abandonando a rigidez da ciência e abraçando a fantasia com consistência narrativa.

Joel Barish, interpretado com surpreendente profundidade por Jim Carrey, é um homem melancólico que, em um impulso, embarca em um trem e conhece Clementine. Interpretada por Kate Winslet, ela surge com uma abordagem despretensiosa, usando a velha tática do “Nós já nos vimos antes?”. Mas a intenção de Clementine é mais profunda. Joel e ela já haviam sido um casal, mas o relacionamento desmoronou. Os momentos compartilhados — tardes aconchegantes, feriados à beira-mar, juras de amor sob o céu estrelado e desentendimentos triviais — foram varridos pela memória devido a um procedimento experimental que promete libertar os corações feridos da dor do fim.

Gondry conduz a narrativa de forma meticulosa e sutil, explorando o melodrama sem exageros. Stan e Mary, os técnicos encarregados de apagar as memórias de Joel e Clementine, encaram a tecnologia com satisfação mecânica — até que uma reviravolta inesperada quebra o curso previsível dos eventos. O Dr. Mierzwiak, interpretado por Tom Wilkinson, emerge como a figura que deve evitar o colapso de sua pesquisa, tomando medidas drásticas para proteger os segredos do processo.

A cronologia fragmentada e os cenários oníricos espelham o caos na mente de Joel. As imagens desconexas são o reflexo de uma consciência que se debate entre esquecer e reter, entre a dor e a esperança de recuperar o que foi perdido. Kaufman e Gondry, com genialidade quase diabolicamente criativa, exploram a efemeridade do amor moderno sem perder de vista a substância emocional que o sustenta. No fim, o filme nos lembra de uma verdade desconfortável: o amor sobrevive enquanto há memórias para nutrí-lo. Sem elas, resta apenas o vazio.

Filme: Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças
Diretor: Michel Gondry
Ano: 2004
Gênero: Ficção Científica/Romance
Avaliaçao: 9/10 1 1
★★★★★★★★★