Após duas décadas afastado das câmeras, Adrian Lyne, o mestre dos thrillers sensuais, retorna com “Águas Profundas”, uma adaptação do romance homônimo de Patricia Highsmith, agora disponível no Amazon Prime Video. O filme, roteirizado por Sam Levinson, criador da aclamada série Euphoria, e Zach Helm, conhecido por trabalhos de tons mais leves, marca uma tentativa de revitalizar um gênero que Lyne ajudou a consolidar. Estrelado por Ben Affleck e Ana de Armas, o longa provoca curiosidade pelo elenco, mas gera divisões quanto à sua execução.
Antes de explorar a obra em si, é crucial situar o leitor sobre a relevância de Lyne. O cineasta britânico foi indicado ao Oscar e dirigiu clássicos como “9½ Semanas de Amor”, “Atração Fatal”, “Proposta Indecente”, “Lolita” e “Infidelidade”. Sua filmografia marcou gerações e moldou a representação da tensão erótica no cinema. No entanto, seu longo hiato criativo levantava dúvidas sobre sua capacidade de acompanhar as transformações do gênero e do mercado cinematográfico.
Infelizmente, em “Águas Profundas”, o diretor de 81 anos parece distante de seu auge. A narrativa densa que outrora definiu seu estilo agora surge enfraquecida. Sam Levinson, cujas credenciais sugeriam ousadia, também decepciona ao entregar um roteiro que carece de ritmo e profundidade. E, no centro do problema, encontra-se a edição final, que falha em costurar as diversas pontas soltas da história.
Produzido pela Disney, o filme é um dos raríssimos casos de conteúdo adulto do estúdio. A empresa rapidamente distanciou-se da obra, optando por lançá-la no Hulu nos Estados Unidos e no Prime Video internacionalmente, dada a presença de cenas de forte teor sexual.
A trama acompanha Vic Van Allen (Ben Affleck), um inventor que fez fortuna com drones de guerra e se aposentou precocemente. Ele divide sua vida com a sedutora Melinda (Ana de Armas) e a filha pequena do casal. O casamento deles, entretanto, é uma relação em combustão lenta: para manter Melinda por perto, Vic aceita um acordo de relacionamento aberto. A esposa, contudo, abusa dessa liberdade, envolvendo-se com outros homens de forma provocativa e deliberada.
A dinâmica do casal se torna ainda mais tensa quando um dos amantes de Melinda desaparece misteriosamente. Durante uma festa, movido pelo ciúmes, Vic afirma ter assassinado o rapaz. Apesar de soar como uma piada de mau gosto, a confissão é suficiente para despertar suspeitas na pequena comunidade. Um novo vizinho, Don Wilson (Tracy Letts), começa a investigar Vic, intrigado tanto pelo seu passado quanto pela veracidade de sua brincadeira macabra.
No coração do filme está o jogo psicológico entre Vic e Melinda, um casal que parece mais disposto a se destruir do que a encontrar soluções. Melinda provoca Vic com seus casos extraconjugais, enquanto ele reage de forma cada vez mais extrema. A relação deles é marcada por um paradoxo: embora se afastem fisicamente, a intensidade emocional os mantém presos um ao outro. Melinda desafia os limites ao atrair novos amantes, mesmo sabendo que isso pode colocar suas vidas em risco. Vic, por sua vez, não esconde a satisfação ao alimentar as suspeitas sobre seus possíveis crimes.
Ainda assim, o roteiro falha em explorar de maneira convincente as motivações dos personagens. Melinda é retratada de forma incoerente, ora como uma mulher manipuladora e autônoma, ora como vítima aprisionada. Já Vic oscila entre a frieza calculada e a vulnerabilidade de um homem obcecado. Essa falta de definição prejudica a empatia do público e enfraquece o impacto dramático.
Apesar das limitações, “Águas Profundas” consegue entreter. Como um thriller leve, o filme provoca reviravoltas que mantêm o espectador intrigado, ainda que frustrado pela ausência de respostas claras. Não é uma obra-prima, mas funciona como um passatempo eficiente para quem busca uma narrativa de suspense e sensualidade, com pitadas de humor negro. Por fim, “Águas Profundas” evidencia o talento residual de Lyne, mas também reforça que o tempo é implacável até mesmo para os grandes mestres.
★★★★★★★★★★