Ao contrário do que se tem em “Caché” (2005) ou “A Fita Branca” (2009), ganhador da Palma de Ouro em Cannes, sabe-se de antemão como essa história termina. Na primeira sequência, bombeiros invadem o apartamento de Anne e Georges, e pela forma como se comportam, alguma coisa de repulsivo domina o cenário. Espectadores ficamos receosos, preocupados, mas o diretor-roteirista não diz mais que o necessário e vale-se desse começo melancólico para levar seu filme para a rotina dos dois, velhos músicos octogenários que ganhavam a vida oferecendo aulas de piano a concertistas promissores a exemplo de Alexandre Tharaud, agora um pianista renomado, que os visita a certa altura. Haneke leva a plateia por um passeio pelo apartamento espaçoso de Anne e Georges, dando bastante cobertura à biblioteca onde está o instrumento, mas indo também à cozinha diminuta na qual fazem as refeições. Nela, enquanto tomam o café da manhã, Anne congela, o que Georges só vem a reparar depois de alguns minutos; transcorrido um par de dias, Anne sofre um derrame e então sua jornada e a de seu marido pendem para o colapso.
Haneke registra o definhamento de Anne, mas não deixa de voltar sua atenção também aos ângulos colaterais do enredo, como a filha Eva, que aparece de quando em quando, mais preocupada com a instabilidade de seu relacionamento com Geoff, de William Shimell, do que com a saúde da mãe — e assim mesmo obcecada com a ideia de levá-la embora. Isabelle Huppert, musa hanekiana desde “A Professora de Piano” (2001), proporciona contrapontos estimulantes ao imbróglio de Anne e Georges, e o diretor os aproveita para realçar o desespero da mãe e esposa idosa, exilada na própria vida, como se, apesar de sua limitação, ansiasse por ser reconhecida pelo que fora até tão pouco tempo. A nobreza artística de Emmanuelle Riva (1927-2017) não deixa que ninguém faça comparações com trabalhos anteriores da atriz, esplendorosa em “Hiroshima, Meu Amor” (1959), dirigido por Alain Resnais (1922-2014), ao passo que Jean-Louis Trintignant (1930-2022), o eterno galã de “Um Homem e uma Mulher” (1966), levado à tela por Claude Lelouch, não está nem aí para as vastas rugas ou para o caminhar arrastado e por isso mesmo ganha a audiência. “Amor” é um filme corajoso, incômodo, mormente para quem não admite que, alcançado certo ponto, o melhor a fazer é não remar contra a maré.
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