Talvez Dwayne “The Rock” Johnson seja na indústria cultural de nossos dias quem melhor transite de um lado para o outro, da comédia para as sequências de ação e delas para arcos dramáticos entre o morno e o quente, fervendo — ajudado, por óbvio, pela aparência sui generis. The Rock começara sem qualquer estardalhaço, quase surdamente, em “O Retorno da Múmia” (2001), de Stephen Sommers, e cerca de dois anos mais tarde, materializava aos poucos as esperanças que o público e parte da crítica punham nele, fazendo justiça a cada oportunidade, livrando-se de estigmas cruéis que grudam-lhe sobre os músculos sempre evidentes ao passo que mantém a aura de herói que encarna à perfeição, sacrificando-se de verdade em cenas que exigem-lhe o condicionamento de que ninguém duvida.
É o que se constata mais uma vez com “Operação Natal”, outra das tantas invencionices que tem por pano de fundo a época mais feliz do ano. Jake Kasdan vale-se da imagem bonachona de The Rock para oferecer ao público uma daquelas histórias saborosamente absurdas, cheias de reviravoltas, com vilões e mocinhos muito bem-definidos (ou quase), até que o herói supremo do filme padece de um golpe que ameaça a festa de crianças e adultos de todo o globo numa noite que deveria ser feliz.
O Natal tem um ritmo próprio e o mundo é uma imensa pista de dança, onde milhares de sensações novas florescem todos os dias, todas em algum grau feitas da urgência de colocar-se o que não serve mais para fora, seguindo a cadência da música. A desordem fundamental que perpassa a vida do homem na Terra ainda não alcançou o estado de tétrico refinamento exibido com ostentação em produções de todos os gêneros, o que não quer dizer, definitivamente, que nossa situação seja confortável, ou mesmo admissível.
Parte dessa sensação de desalento em “Operação Natal” vem quando o roteiro de Hiram Garcia e Chris Morgan menciona um Papai Noel musculoso, mas entristecido com o aumento de gente numa certa Lista de Malcriados, ou seja, aqueles que não merecem sua visita no 24 de Dezembro. A passagem do Bom Velhinho, que de frágil ou vetusto tem, no máximo a barba hirsuta, é uma operação de guerra, que exige a escolta de jatos de caça e treinamento nos outros 364 dias do ano, e assim mesmo a figura central da data mais esperada dos últimos doze meses é interditada por entidades maléficas lideradas por Grýla, a bruxa do inverno vivida por Kiernan Shipka.
Kasdan explica que as informações que tornaram possível o sequestro do Papai Noel, aqui chamado pela estranha alcunha de Das Neves, saíram do computador de Jack O’Malley, um hacker um tão habilidoso quanto ranheta, mas ele tem uma chance de reparar seu erro e mostrar que os brutos também têm coração, malgrado nunca deixe de ser um autêntico espírito de porco, observado de muito perto por Callum Drift, o imponente escudeiro de Das Neves interpretado por The Rock. Chris Evans junta-se ao fortão em sequências divertidas e algo originais, iluminadas pela presença sempre estimulante de J.K. Simmons, que parece querer destronar com The Rock no quesito boa forma. No mais, “Operação Natal” é uma fábula perspicaz sobre a humanidade e suas mutações, o que o Bruxo do Cosme Velho aqui do lado já havia notado 123 anos antes.
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