A solidão é uma certeza inescapável, acompanhando-nos desde o nascimento até a morte. Mesmo em nossos encontros casuais, raramente percebemos um desejo genuíno de compartilhar experiências ou abrir nossos esconderijos emocionais. Protegemos nossas vulnerabilidades, temendo que a exposição traga desconfortos inesperados. Contudo, mesmo com um instinto ancestral para o isolamento, adaptamo-nos às expectativas sociais com uma obstinação quase irracional. Moldamos nossos comportamentos de acordo com padrões implícitos, distraindo-nos das angústias e manias que tornam a rotina suportável. Ainda assim, a esperança persiste — a de encontrar alguém que, por acaso ou destino, compartilhe um estilo de vida semelhante, sem segundas intenções.
Com o tempo, a maturidade revela que os laços formados na infância são os mais resilientes, apesar dos obstáculos impostos pela vida adulta. A amizade, se cultivada adequadamente, possui um poder transformador, capaz de alterar histórias e até mesmo o mundo. Essa força é uma combinação única de desejo humano e magia relacional, gerando afetos inexplicáveis e perenes. No entanto, os personagens de “Glass Onion: Um Mistério Knives Out” estão longe de vivenciar essas conexões genuínas. Na continuação de uma série repleta de potencial, Rian Johnson constrói um suspense intrincado, retratando milionários entediados que se envolvem em jogos fúteis e perigosos para escapar da própria insignificância.
Inspirado por uma canção dos Beatles, Johnson revela as camadas opacas das relações humanas, que filtram qualquer luz e a convertem em energia corrosiva. Em uma homenagem peculiar a Agatha Christie, o diretor mescla mistério e comédia de maneira equilibrada, oferecendo uma narrativa intrigante que a “Dama do Crime” aprovaria. Tal como no filme original de 2019, Johnson subverte as convenções do gênero, preocupando-se menos com o “quem” e mais com o “quando” da revelação do assassino. Se antes o alvo era Harlan Thrombey, autor de suspense brutalmente assassinado em sua mansão, agora o detetive Benoït Blanc, interpretado por um Daniel Craig artisticamente refinado, se vê envolvido em excentricidades de convidados visivelmente perturbados.
A crítica social afiada de Johnson brilha através das atuações de Kate Hudson como Birdie Jay, uma socialite irresponsável cujas festas frequentemente terminam em desastres, e Janelle Monáe, que representa a voz da razão em um papel duplo intrigante. Enquanto Birdie mergulha em polêmicas raciais online, Monáe traz equilíbrio e lucidez ao grupo. Esse conjunto de personagens excêntricos e suas dinâmicas disfuncionais reforça a sátira da elite contemporânea e de suas frivolidades perigosas.
O ponto fraco de “Glass Onion: Um Mistério Knives Out” talvez resida em sua longa duração, que desafia a paciência do público e fomenta especulações excessivas sobre o desfecho. No entanto, este detalhe não diminui a promessa de uma terceira investigação de Benoït Blanc, que certamente poderá refinar ainda mais essa fórmula envolvente de mistério e crítica social.
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