Se Elvis Presley (1935-1977) surgisse nos dias de hoje, talvez sua trajetória não alcançasse o mesmo estrelato. Em tempos de patrulhamento cultural, sua ousadia — ser um homem branco que incorporava estilos musicais negros, balançando os quadris sem medo do julgamento — provavelmente o colocaria no centro de debates acalorados. Essa perspectiva é explorada com vigor em “Elvis”, cinebiografia grandiosa de Baz Luhrmann, que apresenta uma narrativa tão extravagante quanto controversa. Entre luzes ofuscantes e sequências vibrantes, o filme aborda as complexas dinâmicas de poder, sucesso e decadência que moldaram a vida do Rei do Rock.
O enredo gira em torno da relação entre Elvis e seu empresário, o controverso coronel Tom Parker (1909-1997). Interpretado por Tom Hanks, Parker é retratado como uma figura dúbia, um mestre de manipulação que tanto impulsionou quanto arruinou a carreira de Presley. O roteiro assinado por Luhrmann, Sam Bromell, Jeremy Doner e Craig Pearce constrói essa relação de maneira meticulosa, expondo os altos e baixos de uma parceria que oscilava entre admiração e exploração. O filme apresenta um Elvis moldado não apenas por sua genialidade, mas também pelas forças opressoras ao seu redor, numa narrativa que remete aos contos de fadas pós-modernos característicos do diretor, como visto em “Moulin Rouge” (2001).
A ambientação é um espetáculo à parte. Luhrmann transporta o espectador para o coração pulsante da Beale Street, em Memphis, Tennessee, onde o jovem Elvis, vivido de forma hipnotizante por Austin Butler, emerge como um artista de instinto refinado. A performance magnética de Butler captura a essência de um garoto que desafiava as convenções, encantando e provocando. O ator emprega seu corpo e expressões faciais para traduzir as complexas emoções de Presley — um ícone cultural que atravessava fronteiras raciais e sociais, mas que pagava o preço por cada transgressão.
A música desempenha um papel central, com interpretações de clássicos como “That’s Alright Mama” e homenagens a figuras históricas como Big Mama Thornton e B.B. King. Essas sequências não apenas celebram o legado cultural de Elvis, mas também destacam as influências musicais que moldaram sua identidade artística. Contudo, o filme também expõe um dilema ético: enquanto Presley é reverenciado, artistas negros que o inspiraram frequentemente ficam relegados a segundo plano.
Já Tom Hanks enfrenta um desafio particular ao encarnar Parker. A caracterização pesada e o uso de próteses limitam sua expressão, diluindo parte da intensidade que geralmente marca suas atuações. Em contraste, Butler se destaca como a alma do filme, entregando uma performance que oscila entre vulnerabilidade e poder, encapsulando o espírito de um ícone em constante transformação.
Por trás da grandiosidade visual e das composições maximalistas, “Elvis” também provoca reflexões sobre o que significa ser uma celebridade. Em um tempo em que a fama se tornou instantânea e efêmera, o filme resgata o retrato de um artista cuja trajetória foi marcada por trabalho árduo, paixão e, sobretudo, um profundo impacto cultural. É uma narrativa que, embora imersa no glamour, não foge das sombras que rondam o preço do estrelato.
Com uma abordagem ambiciosa e uma execução visualmente arrebatadora, Baz Luhrmann não se limita a recontar a história de Elvis Presley; ele convida o espectador a revisitar um capítulo crucial da cultura pop, questionando os alicerces do sucesso e os sacrifícios exigidos para se tornar eterno.
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